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A mostrar mensagens de setembro, 2018

"As Identidades Assassinas", por Amin Maalouf

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“ Aos que me fazem a pergunta (se se sente mais Libanês ou mais Francês), explico pois, pacientemente, que nasci no Líbano, aí vivi até aos 27 anos, que o árabe é a minha língua materna, que foi na tradução árabe que descobri Dumas, Dickens e as Viagens de Gulliver, e que foi na minha aldeia das montanhas, a aldeia dos meus antepassados, que conheci as primeiras alegrias de menino e ouvi certas histórias em que me iria inspirar mais tarde, para os meus romances. Como poderia esquecê-lo? Como poderia alguma vez desligar-me dessa realidade? Mas, por outro lado, vivo há vinte anos em França, bebo a sua água e o seu vinho, as minhas mãos acariciam todos os dias as suas velhas pedras e escrevo os meus livros em Francês. Nunca poderia senti-la como uma terra estrangeira.   Metade Francês, metade Libanês? De modo algum!   A identidade não se compartimenta, nem se reparte em metades, nem em terços, nem se delimita em margens fechadas. Não tenho várias identidades, tenho apen

O espelho do outro: “As cruzadas vistas pelos Árabes” de Amin Maalouf

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Trazendo de forma pioneira a “versão dos vencedores”, o escritor nascido no Líbano em 1949, Amin Maalouf, choca o leitor ocidental com seu livro “As Cruzadas Vistas pelos Árabes”, relato épico sobre a defesa dos muçulmanos em relação aos ataques das Cruzadas publicado originalmente em 1983. A obra chegou ao cenário acadêmico cinco anos após a publicação e extraordinária disseminação da obra do palestino Edward W. Said Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente – traduzido para o francês em 1980 - em que são analisados os vínculos entre as relações de produção dos conhecimentos acerca da representação do Oriente e do Ocidente, e pôde aproveitar a onda de novos estudos acerca do “orientalismo” trazida com a obra de Said. ÂNGELA ZATTA Partindo da prerrogativa de contar a história das cruzadas como foram vistas, vividas e relatadas pela perspectiva árabe, o libanês faz uso do romance histórico para reunir testemunhos de historiadores e cronistas árabes da época.

Ladrão, o cão vadio de Almada

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Ainda volto muito à cidade de Almada, do outro lado do rio Tejo, onde vivi alguns anos na adolescência. É um lugar muito diferente daquele que conheci em miúdo. Os comunistas foram destronados do poder local, onde estavam desde o 25 de Abril de 1974,  creio, algo que julguei nunca ir ver em vida; um moderno elétrico percorre toda a cidade, roubando espaço aos carros e tornando o trânsito infernal durante o dia todo; não há construções novas - tem alguns dos mais bonitos prédios residenciais do país, desfigurados com as malditas marquises que cobriram todas a s varandas -, agora um tanto decadentes e totalmente cobertos de graffitis abomináveis; mas há mais árvores, mais espaços verdes, passeios mais amplos e bem planeados; o comércio tradicional não morreu de vez, como se temeu que fosse acontecer há uns anos; a cidade continua a ser amiga do teatro, da cultura, sempre com muitos eventos a decorrer ao longo do ano; e está incrivelmente mais cosmopolita: brasileiros por todo o lado, m

“Teatro” Xiita - O Drama de Karbala

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  O dia da Ashura, dia 10 do mês de Muharram no calendário muçulmano, é comemorado pelos xiitas como dia de luto pelo martírio de Hussain Ibn ‘Ali, neto do Profeta, na Batalha de Karbala, ocorrida no dia 10 de Muharram do ano 61 AH (10 de outubro de 680). Em países de predominância xiita, como o Irã e o Iraque, a comemoração de Hussain é feriado nacional: “dia da Ashura”, recordando o martírio de Hussain, o terceiro Imam xiita, com sua família e amigos em Karbala. Todos os anos, em todo o Irã, companhias de teatro, amadoras e profissionais, reencenam o Drama de Karbala, ta'ziya dos trágicos acontecimentos de Karbala. Ao longo deste estudo, seguimos os dados e algumas considerações de Charles Virolleaud, em sua introdução ao drama de Karbala: Le Theâtre Persan ou Le drame de Kerbéla, Paris, Maisonneuve, 1950. Para a tradução da peça, valemo-nos do texto apresentado nessa obra. Seguimos também Jacob M. Landau Études sur le théatre et le cinéma arabes, Paris, Maisonneuve,

A Paixão segundo os Xiitas

"Jornais e televisões estão cheios de imagens chocantes: o autoflagelo de iraquianos xiitas, que se chicoteiam com correntes de aço e batem com facões (representando espadas) em suas cabeças, manchando com sangue as suas vestes. Observando-se mais atentamente, dá para notar que não são todos os que se flagelam, mas uma minoria entre milhares: a maioria apenas simula o autoflagelo. Não importa, a imagem que fica é a do sangue. Os xiitas consideram um alívio poder praticar seus rituais livremente; os americanos estão com as barbas de molho; e o público ocidental está se perguntando: que coisa esquisita é essa? É a celebração do martírio do terceiro imã, Hussein, neto do profeta Maomé e filho de Ali, o primeiro imã ("guia", em árabe). Vamos relembrar, para diminuir a confusão: segundo os xiitas, Ali, genro e primo de Maomé, foi preterido na sucessão do profeta, mesmo tendo sido indicado por ele como seu herdeiro (xiita vem do árabe shiit-al Ali, os partidários de Ali).

Muharram: devoçao sem limites

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Estamos no primeiro mês do calendário islâmico, no qual os muçulmanos xiitas  celebram a festa de Muharram, que dura dez dias. Altura para representações de peças religiosas e procissões a relembrar a morte de Hussein, neto de Maomé, na batalha de Karbala, deserto no atual Iraque, em 680. Estas cerimónias simbolizam posição eterna e inabalável da verdade contra a falsidade e a luta da humanidade contra a injustiça, a tirania e a opressão, a causa do Íman Hussein e dos seus companheiros igualmente martirizados. Testemunhamos o progressivo clímax de festa que atinge o pico no Ashura, o décimo dia que comemora o momento em que as forças do califa Yazid (o segundo califa omíada) martirizaram o Imam Hussein, terceiro imã dos xiitas, e 72 dos seu companheiros e familiares, em Kerbala. Há quase 1400 anos RUI BARBOSA BATISTA Em mais uma decisão errática no bazar de Vakil, antes de combinado jantar de grupo em sedutor palácio, deparamo-nos com altos minaretes, o ilumina

Viagem ao Volga

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A literatura árabe de viagens inclui textos de diversos formatos, conteúdos e propósitos. Recentemente, os leitores lusófonos podem ter um ótimo primeiro contato com este universo através do relatório de Ahmad Ibn Fadlān, traduzido diretamente do árabe à língua portuguesa, e publicado pela Carambaia com o título de "Viagem ao Volga: Relato do Enviado de um Califa ao Rei dos Eslavos". Seu autor foi emissário oficial em uma interação diplomática e é reconhecido por ter descrito, em primeira mão, povos e áreas que os árabes conheciam somente via fontes distantes até então – isto é, em 922 d.C. Assim, alguns recortes podem auxiliar na leitura desta tradução e fornecer informações relevantes sobre seu contexto histórico, geográfico e linguístico. PEDRO MARTINS CRIADO As obras mais antigas em língua árabe a conter relatos por seu valor informativo datam do século IX d.C. Relatórios de oficiais costumam abordar as regiões da morada do Islã (dār al'Islām) e são considera

Os Vikings no Al-Andalus

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Durante os séculos IX e X o Al-Andalus foi assolado pelos ataques dos piratas Majus, normalmente conhecidos por Vikings, que lançaram o terror nas regiões costeiras. Os seus raids, de curta duração, durante os quais pilhavam, saqueavam e faziam prisioneiros que vendiam posteriormente como escravos, iniciavam-se com o aparecimento dos célebres navios com cabeça de dragão, os drakkars, extremamente manobráveis, com os quais subiam os rios para atacar as cidades situadas nas suas margens. A grande estatura dos guerreiros Vikings, as armas temíveis com que se muniam e os enormes cães que corriam na vanguarda dos seus exércitos, incutiam o pânico nas populações, e granjearam-lhes a fama de sanguinários que perdura até aos nossos dias. Apesar de terem colonizado áreas consideráveis no Norte da Europa e aí se terem dedicado a um comércio intenso com a Escandinávia , as suas acções no Al-Andalus foram actos de pura pirataria, já que não tinham como perspectiva nem a colonização, nem tão