Muharram: devoçao sem limites





Estamos no primeiro mês do calendário islâmico, no qual os muçulmanos xiitas  celebram a festa de Muharram, que dura dez dias. Altura para representações de peças religiosas e procissões a relembrar a morte de Hussein, neto de Maomé, na batalha de Karbala, deserto no atual Iraque, em 680. Estas cerimónias simbolizam posição eterna e inabalável da verdade contra a falsidade e a luta da humanidade contra a injustiça, a tirania e a opressão, a causa do Íman Hussein e dos seus companheiros igualmente martirizados. Testemunhamos o progressivo clímax de festa que atinge o pico no Ashura, o décimo dia que comemora o momento em que as forças do califa Yazid (o segundo califa omíada) martirizaram o Imam Hussein, terceiro imã dos xiitas, e 72 dos seu companheiros e familiares, em Kerbala. Há quase 1400 anos

RUI BARBOSA BATISTA

Em mais uma decisão errática no bazar de Vakil, antes de combinado jantar de grupo em sedutor palácio, deparamo-nos com altos minaretes, o iluminado recortar de cativante mesquita e imensos fiéis. Impossível não seguirmos o estímulo… Estamos no primeiro mês do calendário islâmico (outubro), no qual os muçulmanos xiitas (não os sunitas) celebram a festa de Muharram, que dura dez dias. Altura para representações de peças religiosas e procissões a relembrar a morte de Hussein, neto de Maomé, na batalha de Karbala, deserto no atual Iraque, em 680.

Estas cerimónias simbolizam posição eterna e inabalável da verdade contra a falsidade e a luta da humanidade contra a injustiça, a tirania e a opressão, a causa do Íman Hussein e dos seus companheiros igualmente martirizados. Alguns xiitas desfilam pelas ruas com o corpo untado de sangue animal, para simbolizar tristeza e pesar pelo sofrimento de Hussein. Neste caso, adultos e alguns adolescentes, trajados no seu luto preto, e em ritmo compassado, batem no peito e martirizam as costas com correntes de luz para lembrar os enlutados da dor e do sofrimento de Imam Hussein e seus seguidores.

Para entrar no complexo religioso, somos revistados e é-nos atribuído um responsável pelos “assuntos internacionais”. Alguém que nos vai acompanhar, para todo o lado. Não nos controlam. Se desejamos, podemos prosseguir sós. Neste caso, explicam-nos tudo. O momento especial que os xiitas vivem. Cada parte do complexo. O que é de bom-tom fazer e o que não podemos fazer nos lugares mais restritos que visitamos, não sendo muçulmanos. Claramente, uma operação de charme.

O nosso guia irradia uma luz e bondade especiais. E adensa a nossa curiosidade. Sairemos para jantar com o resto do grupo, que traremos de volta a este lugar horas depois. Onde as cerimónias continuam. E nos é novamente atribuída “ajuda”, neste canso tanto masculina como feminina, já que temos de entrar em portas separadas.

Testemunhamos o progressivo clímax de festa que atinge o pico no Ashura, o décimo dia que comemora o momento em que as forças do califa Yazid (o segundo califa omíada)
martirizaram o Imam Hussein, terceiro imã dos xiitas, e 72 dos seu companheiros e familiares,em Kerbala. Há quase 1400 anos…

Neste período, também se celebra o Dia Tasua, o nono dia, que recorda o martírio de Abalfazl Abbas, o irmão de Imam Hussein que sacrificou a sua vida em busca de água para saciar a sede de sua família sitiada, bem como dos companheiros do terceiro Imam.

Estamos sentados no átrio do grande pavilhão. Onde cabem milhares de fiéis. E a história é-nos contada como nos tempos de criança: sentamos em roda à volta do orador, enquanto nos maravilhamos com a arquitetura e decoração interiores do espaço.

Uma das amplas salas para rezar brilha com esplendor que chega a cegar. Vidros. Espelhos. Cor. Antes de regressarmos ao exterior, onde chegam grupos de jovens com respetivo speaker e em efusiva manifestação de devotação. Com um empenho ‘fundamentalista’ que, até agora, não sentimos em qualquer xiita.

Neste sereno islão, apenas uma exceção: há quem aborde o Octávio desejoso de saber o que pensa sobre a sua religião. E não aceita uma escusa para o debate. Bom, acabará por não ter remédio. Não é agressivo, mas também não irradia simpatia nas palavras ou forma como as expressa.

Os comemorativos atos dos primeiros dez dias de Muharram são diferentes em cada país islâmico. Há quem jejue, mas não é obrigatório, como no Ramadão. Acima de tudo, há um cuidado adicional entre os xiitas para não lutar ou ter discussão de qualquer espécie. Excetuando o nosso ‘amigo’ curioso quanto à opinião destes portugueses sobre o Islão.

Neste momento de celebrações, por tradição o povo iraniano cozinha e distribui alimentos caridade entre seus vizinhos, família e os pobres. Isso explica a generosidade com que tínhamos sido brindados na véspera, mesmo não aparentando essa condição.

Na manhã seguinte, voltamos a este lugar. Desta vez é dedicado às crianças. Nomeadamente à que foi deixada morrer à sede, sendo infrutíferos os esforços e apelos de Abalfazl Abbas, o irmão de Imam Hussein, para que o califa salvasse o seu filho. Algumas carpideiras e milhares de crianças vestidas de verde (cor do Islão). Erguidas por mães de invariável devoção negra.

Voltamos a ter orientadores a abrir-nos o caminho da “verdade”. Levam-nos ao andar de cima da infraestrutura religiosa, de onde temos visão ímpar sobre a cerimónia. Cenário e imagens que viciam.

No fim, levam-nos aos escritórios. Para assinarmos o livro de ponto. Darmos o nosso feedback. Quando pensamos que chegará a hora de “pagarmos” o tratamento privilegiado, que inclui chá e deliciosas bolachas, não há qualquer sinal de tentativa de lavagem cerebral: apenas nos desejam, com sorriso largo, continuação de boa viagem…

Rui Bar­bosa Batista relata no blo­gue Cor­rer Mundo a sua aven­tura pelo Irão. No site www.bornfreee.com pode ace­der a outros rela­tos e ima­gens sobre a viagem.

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