Um excerto de Vença Todas as Discussões, de Mehdi Hasan

 


CONQUISTAR UM PÚBLICO

Conceber uma apresentação sem ter um público em vista é como

escrever uma carta de amor e endereçá-la a «Ex.mos Srs.».

– Ken Haemer, perito em design

Estávamos num fim de tarde frio e invernoso, no Sudoeste rural de Inglaterra, em fevereiro de 2012. Fora convidado para me juntar ao principal programa político da BBC Radio 4, o Any Questions? O programa é transmitido com a presença do público, cujos elementos podem fazer perguntas aos participantes, que costumam ser um misto de políticos e de comentadores.

Naquela noite estávamos na vila de Crewkerne, que tem sete mil habitantes, e quando subi ao palco, na Wadham Community School, olhei para o público ali presente. O espaço estava lotado, mas bastam três palavras para descrever a audiência: idosos, brancos, conservadores.

Cheguei-me ao convidado David Lammy, um membro do parlamento que pertence ao Partido Trabalhista e é negro, e murmurei: «Devemos ser as únicas pessoas de cor, e com menos de quarenta anos de idade, nesta sala.»

Quando o programa começou, também começaram as discussões políticas exaltadas. Uma das grandes notícias dessa semana fora o destino do pregador extremista Abu Qatada, um candidato a asilo político jordano que fora apelidado de «embaixador espiritual de Osama bin Laden na Europa» e que há uma década estava detido no Reino Unido sem julgamento. O governo conservador queria deportar Abu Qatada de volta à Jordânia – apesar do receio credível de que pudesse vir a ser torturado pelas autoridades quando regressasse a Amã. E ainda mal se chegara à segunda pergunta da noite, quando um elemento do público se levantou e abordou diretamente o assunto: «O governo britânico deverá ignorar as ordens do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e limitar-se a deportar Abu Qatada para a Jordânia?»

Tinha a mente a fervilhar. Eu estava sob os holofotes. Sabia que havia milhões de pessoas a ouvir na rádio, muitas das quais concordariam com a minha posição: Abu Qatada devia ser julgado no Reino Unido e não torturado na Jordânia. Mas como poderia eu convencer o público conservador, leitor assíduo do Daily Mail, que me encarava ali em Crewkerne? Como cativá-lo com os meus argumentos?

Quando o interveniente falara, o público aplaudira efusivamente. Pareciam querer que Abu Qatada desaparecesse dali! Eu sabia que, se me limitasse a citar os relatórios da Amnistia Internacional ou os artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ia perder a audiência. Em vez disso, tive de adaptar os meus argumentos, por norma liberais, e apelar àquilo a que eu sabia que aquele público específico daria valor – a tradição e a história britânicas.

Portanto, quando o apresentador Jonathan Dimbleby me veio pedir uma resposta para aquela pergunta provocadora do público, a minha resposta foi a seguinte. Disse que era «absurdo» afirmar que Abu Qatada não podia ser julgado num tribunal britânico. Porquê?

Para mim, o mais importante é o princípio. Quando eu andava na escola – estamos agora numa escola –, aprendi a Magna Carta; aprendi que havia julgamentos com júri; aprendi sobre o habeas corpus; aprendi que havia liberdade de expressão. A «gloriosa história da liberdade» neste país. E acho espantoso que, vinte anos depois, tão pernicioso é o impacto da «Guerra contra o Terror», tenha de vir a um programa como este, que tenha de ir a estúdios de televisão, e discutir com certos jornalistas, e dizer: «Esperem lá, o que é que aconteceu a essas liberdades? Porque é que, de repente, passámos a ignorar as liberdades que deram tanta grandeza a este país?

O público aplaudiu entusiasticamente. Conseguira estabelecer uma ligação com eles ao invocar a Magna Carta, a primeira carta de direitos de Inglaterra. Agora que tinha a sua atenção e um apoio bastante ruidoso, insisti:

Por mais odioso e malvado que o Abu Qatada possa ser, a essência dos direitos humanos é que quem mais precisa dos direitos humanos são as pessoas odiosas e malvadas, são elas quem mais precisa da proteção da lei, pois, se não lhos dermos, não vale a pena [tê-los].

É assim que se apresenta um argumento à frente de uma audiência cética. Temos de nos adaptar, temos de ser ágeis e, para isso, é preciso conhecer o público e dizer-lhes o que querem ouvir.

Pude conquistar grande parte daquela audiência em Crewkerne não porque os locais gostassem de mim ou concordassem com a minha política, mas sim porque eu compreendi quem eram, de onde vinham e o que queriam, aquilo de que precisavam de ouvir para se deixarem convencer.

Isso nem sempre é fácil – mas também não é nada de outro mundo.

* * *

Neste capítulo vou delinear três excelentes formas de conquistar um público – quer seja a sua família na sala de estar, centenas de pessoas num anfiteatro, ou até milhões de pessoas que nos veem em casa, pela televisão.

Lembre-se, sempre que estiver na presença de público, de que não pode, não pode dar-se ao luxo de o ignorar, nem de o tomar como garantido. O público é a chave. Mesmo que seja um debate a dois, o público é simultaneamente «juiz e júri». É ele que queremos convencer, persuadir e conquistar com os nossos argumentos.

E como fazer isso? Como conquistá-lo?

CONHEÇA O SEU PÚBLICO

Sobretudo, é preciso tentar compreender a origem do seu público. Se, por exemplo, estiver a participar num debate competitivo, o objetivo é entender os jurados, ou os elementos da audiência de cujos votos precisa. Isso significa que, para «conhecer o seu público», terá de trabalhar antes sequer de entrar na sala, antes de começar a falar para uma multidão.

Em primeiro lugar, descubra quem vai estar no público. Em baixo, temos o tipo de perguntas que faço aos organizadores de todos os eventos para os quais me convidam como orador:

Qual o tamanho da audiência?

• Que tipo de pessoas constitui o público?

• Como é o público? Jovens ou mais velhos? Estudantes ou profissionais? Políticos ou apolíticos? Homens ou mulheres? Brancos, negros ou castanhos?

Tudo é relevante, pois assim que descortinarmos ao pormenor como são os elementos da potencial audiência, podemos concentrar-nos na linguagem a usar e moldar os argumentos em função disso.

Por exemplo, se falar para um grupo de alunos do ensino secundário ou universitários, provavelmente será melhor não fazer referências a acontecimentos da minha infância, os quais ocorreram antes de a maior parte deles ter sequer nascido. E tenho, garantidamente, de evitar ser paternalista ou de os menosprezar. Se, por outro lado, for falar para um grupo de adultos ou idosos sobre um tema sério, devo evitar fazer referências a filmes ou a memes que lhes possam passar ao lado.

O grande benefício de se conhecer o público é o facto de podermos modificar a linguagem que usamos para transmitir a nossa mensagem.

Quer queiramos vender um argumento, quer, já agora, vender um produto, será também adequado mudarmos a forma como apresentamos o nosso discurso, dependendo de quem temos à frente. Diz-nos o orador empresarial Ian Altman que não podemos usar uma abordagem «unissexo». Temos de ser ágeis para empregarmos diferentes argumentos com diferentes públicos.

Tudo é importante, desde a alteração do tom e do volume até à variação do conteúdo e da ênfase. Pense assim: não apresentaria as suas ideias ao seu cônjuge da mesma maneira que as apresentaria a um executivo corporativo. É preciso ajustar o tom – forte ou brando, sério ou conversacional, mais ou menos apaixonado. O volume é igualmente importante, dependendo de nos estarmos a dirigir a cinco pessoas numa pequena sala de reuniões, a quinhentas pessoas num auditório universitário ou a cinco milhões de pessoas que nos veem em casa, na televisão.

É necessário fazer esses ajustes, mesmo quando pretende apresentar o mesmo argumento perante cada um desses públicos díspares. E estas estratégias dizem respeito à parte mais difícil de qualquer apresentação em público: a adaptação. É preciso ser flexível sempre que sobe ao palco – metafórica ou literalmente. É preciso estar disposto a personalizar a sua apresentação – até mesmo a moldar os seus argumentos – de acordo com quem quer conquistar.

Provavelmente, saberá como convencer os seus filhos ou o seu parceiro a fazer alguma coisa, certo? Isso é porque conhece essas pessoas melhor do que ninguém. Se for capaz de apurar o mais possível sobre os elementos do público a quem se quer dirigir, que quer persuadir e convencer, verá que a tarefa se torna mais simples.

Resumindo: não quero que altere todo o seu argumento, nem que diga apenas aquilo que as pessoas querem ouvir. O que estou a dizer é que deve apresentá-lo de modo que as pessoas se sintam confortáveis a aceitar esse argumento, pois moldou-o especificamente para que se adaptasse aos interesses ou às identidades do público. Tal como frisa Ian Altman, seria um erro crasso apresentar o mesmo discurso a diferentes tipos de pessoas em diferentes tipos de locais.

Vejamos, por exemplo, a questão da imigração. Não estou a sugerir que seja pró-imigração à frente de um público liberal e anti-imigração perante uma audiência conservadora. O que estou a dizer é que, se estiver a dirigir-se a um público de direita ou conservador sobre os méritos da imigração, se estiver a tentar defender a imigração junto deles, talvez não faça sentido citar, digamos, Barack Obama ou Alexandria Ocasio-Cortez. Em vez disso, procure citar um conservador destacado, como por exemplo Ronald Reagan, no seu famoso discurso pró-imigração no Liberty State Park de Nova Jérsia, em 1980.

Pode dizer: «Não se fiem só em mim… lembrem-se de como Ronald Reagan elogiou os imigrantes diante da Estátua da Liberdade, por eles se fazerem acompanhar de “coragem, ambição e valores familiares, de bairro, laborais, de paz e de liberdade”, e por ajudarem a “tornar a América outra vez grande”?»

Se alterarmos a abordagem e encontrarmos uma linguagem comum, fazemos, desde logo, com que a questão se torne muito menos desagradável. Portanto, lembre-se: refira factos, números e citações que não só promovam o seu argumento, mas também cativem o público específico que tem à sua frente. E isto também resulta fora da política – fora do duelo entre republicanos e democratas, ou entre tories e trabalhistas. Se estiver a discutir fé ou religião com um judeu, um cristão ou um muçulmano, talvez seja útil citar a Bíblia ou o Alcorão. Agora, se estiver a debater com um ateu, provavelmente não fará sentido citar um livro sagrado, pois não?

No verão de 2014, fui convidado para fazer um discurso no World Affairs Council of Greater Houston, no Texas, sobre o tópico da integração muçulmana na Europa e nos Estados Unidos. Fiz o meu trabalho de casa com antecedência e descobri que o público seria composto não só por liberais, mas também por conservadores: pessoas mais céticas em relação à minha mensagem. Assim, fiz por dispersar referências a jornalistas e a fontes noticiosas de direita no meu discurso, promovendo a ideia de que é um mito sugerir que os muçulmanos são incapazes de se integrar no Ocidente.

«Mas não sou eu que o digo», debitei (que é uma frase sempre útil perante uma audiência cética). «Ainda há duas semanas, no jornal Daily Telegraph, o jornalista e colunista britânico conservador de direita, Fraser Nelson, editor da revista de direita Spectator, publicou um artigo intitulado “The British Muslim Is Truly One among Us – and Proud to Be So” [O muçulmano britânico é realmente um de nós – e orgulha-se disso]. Nelson escreveu, e passo a citar: “A integração dos muçulmanos pode agora ser vista como um dos grandes casos de êxito da Grã-Bretanha moderna”.»

Ficaram alerta quando ouviram o termo conservador e as referências a periódicos como o Telegraph e a Spectator. Não o esperavam, e ganhei-lhes a sua total atenção.

Também me disseram antecipadamente que haveria um número razoável de judeus entre o público, pelo que decidi contar esta história (real) do Reino Unido.

Vejam o que aconteceu no ano passado, quando a discreta comunidade judaica da cidade nortenha de Bradford se viu a braços com o encerramento da sua sinagoga histórica, construída em 1880. O telhado deixava entrar água e as poucas dezenas de frequentadores regulares não tinham como pagar as reparações. O presidente da sinagoga, Rudi Leavor, decidiu vender o edifício; estava prestes a ser adquirido e transformado num bloco de apartamentos de luxo quando, de repente, a sinagoga foi salva por uma campanha de angariação de fundos organizada por uma mesquita local. Zulfi Karim, o secretário do Conselho de Mesquitas de Bradford, por detrás da campanha, fala agora de Leavor, que fugiu da Europa nazi para o Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, como sendo o seu «novo irmão».

Do meu pódio pude ver os olhos deles a arregalarem-se e sorrisos inesperados a surgirem-lhes nos lábios. Entre eles iam trocando gestos de aprovação.

É de suma importância conhecer-se o nosso público, mas esse é apenas o primeiro passo. É o que temos de fazer antes sequer de subirmos ao palco, de nos pormos à frente da câmara ou atrás do pódio. O passo seguinte tem que ver com o que fazemos quando lá estamos.

PRENDA-LHES A ATENÇÃO

Tenho más notícias. Talvez já tenha ouvido aquela informação viral sobre o peixinho de aquário, que tem um período limite de atenção de nove segundos. De acordo com um estudo levado a cabo por investigadores da Microsoft, o ser humano médio perde a «concentração após oito segundos». Dispomos de muito, muito pouco tempo para captar a atenção de um público antes de ele se dispersar e começar a pensar no que vai jantar ou, o que será mais provável, a ver o Instagram.

Vivemos numa era online, em que toda a gente, em todo o lado, passa o tempo quase todo agarrada ao smartphone. Sim, falamos durante vinte, trinta, quarenta minutos, mas se as pessoas a quem nos dirigimos se distraírem ou – pior ainda – ficarem aborrecidas logo ao início, o resto da apresentação acabará por ser um desperdício de tempo. Para si e para eles.

Quer esteja a fazer uma apresentação numa sala de direção ou a desenvolver uma argumentação com amigos, é sempre bom começar de um modo muito claro, direto e único. Tal como frisou um grupo de peritos em comunicação, temos de evitar comentários banais, lugares-comuns vazios e clichés batidos.

• «Obrigado por me convidarem.»

• «É um prazer estar aqui convosco.»

• «Como é que estão?»

Não. Não. Não.

É preciso agarrar o público logo no primeiro minuto, de preferência nos dez ou vinte segundos de abertura.

Como?

1. Comece com uma abertura forte

Algo inesperado, provocante, até mesmo contrário. Citando o lendário Dale Carnegie: «Comece com algo interessante na sua primeira frase. Não é na segunda. Não é na terceira. Na primeira! P-R-I-M-E-I-R-A! Primeira!»

Eis como o chef britânico e defensor de boas práticas alimentares Jamie Oliver deu início à sua TED Talk de 2010:

Infelizmente, durante os próximos dezoito minutos de conversa, quatro americanos vivos neste momento terão morrido por causa da comida que ingerem. O meu nome é Jamie Oliver. Tenho trinta e quatro anos de idade. Sou de Essex, em Inglaterra, e nos últimos sete anos tenho-me esforçado por salvar vidas à minha maneira. Não sou médico; sou um chef, não tenho equipamentos caros, nem medicamentos. Uso informação, educação.

Não quereria ouvir um pouco mais do que ele teria para dizer?

2. Comece com uma pergunta

De preferência, uma pergunta «provocadora», dizem os peritos em comunicação. «Começar com uma pergunta cria um fosso de conhecimento: um fosso entre aquilo que os ouvintes sabem e aquilo que não sabem», acrescenta Akash Karia no seu livro How to Deliver a Great TED Talk. «Este fosso cria curiosidade, pois as pessoas estão programadas com um desejo de preencher as lacunas de conhecimento.»

Mesmo sabendo que não é o mais dotado dos oradores, o antigo cientista da NASA, James Hansen, conseguiu usar essa qualidade específica para captar a atenção do público durante uma TED Talk de 2012 sobre as alterações climáticas. Como? Com as seguintes perguntas de abertura:

O que é que eu sei que me levaria a mim, um cientista reticente da região centro-oeste dos Estados Unidos, a ser detido à frente da Casa Branca durante uma manifestação? E o que faria você se soubesse aquilo que eu sei?

Não gostaria de saber as respostas a estas perguntas marcantes? Isso não o faria desviar os olhos do iPhone?

3. Comece com uma história

De preferência, uma história pessoal. Ainda melhor se for engraçada, capaz de deixar as pessoas a rir e descontraídas – e a prestar atenção – desde o primeiro instante. Contar histórias ajuda a desenvolver um envolvimento imediato, pois não há quem não goste de uma boa narrativa. Além disso, o nosso cérebro foi feito para se apaixonar por uma boa história, algo que apele à imaginação e à empatia.

O empreendedor Ric Elias conseguiu-o na sua TED Talk de 2011, com a recordação bastante pessoal de um voo assustador.

Imaginem uma grande explosão quando estamos a subir a novecentos metros. Imaginem um avião cheio de fumo. Imaginem um motor a fazer clac, clac, clac, clac, clac, clac, clac. Parece assustador. Bem, nesse dia, eu estava num lugar único. Estava no 1D.

Não fica desde logo fascinado, transportado para um avião no céu?

Se quer que alguém ouça aquilo que tem para dizer, preste muita atenção à sua primeira frase. Surpreenda o público com uma deixa marcante, uma pergunta irresistível ou uma narrativa visceral. Verá os olhos das pessoas a fixarem-se em si, descolando-se dos ecrãs – e o público é seu. Claro que uma coisa é chamar a atenção. Manter a atenção das pessoas é outra completamente diferente. Como consegui-lo?

 Fonte:  Jornal Público - https://www.publico.pt/2024/02/09/culturaipsilon/prepublicacao/excerto-venca-discussoes-mehdi-hasan-2079883

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