Mensagem racista enviada pela porteira



A porteira do meu prédio não sabe que sou muçulmano, embora me conheça desde pequeno. Nas últimas semanas envia-me, diariamente, mensagens racistas e islamófobas escritas por gente demente do Brasil. Na verdade, nenhum brasileiro consegue ser tão burro para escrever aquilo, pensei. As mensagens vêm dos Estados Unidos e são ali traduzidas, e depois disseminadas freneticamente nas redes sociais para alimentar algum tipo de agenda política - a extrema-direita. Foi assim que Trump e Bolsonaro chegaram ao poder. A fórmula resulta, sem excepções - o mesmo aconteceu na Índia - e está também a ser testada por aqui. Estou certo que já todos vós se depararam com esse tipo de propaganda, no Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter… No computador, na caixa de correio, no celular. Fazer o quê?

Creio que é a filha emigrada no Luxemburgo que lhe envia aquelas mensagens diariamente. Uma delas tem o título "Meninas Cristãs Servem Apenas para Satisfazer os Desejos Sexuais dos Homens Muçulmanos” - podem imaginar o que ali está…-, e provém de um “tink tank” de extrema-direita americana chamado Gatestone Institute (https://pt.gatestoneinstitute.org/), quase inteiramente financiado por donativos de israelitas ou judeus americanos, segundo a Wikipédia, entre as quais de uma filantropista descendente de refugiados da Segunda Guerra, de nome Nina Rosenwald. Propaganda racista financiada por israelitas ou descendentes de judeus perseguidos pelo anti-semitismo é uma coisa normal por estes dias.

Creio que a D. Rosa não o faz por mal. Ficaria certamente horrorizada se soubesse que acho estas mensagens ofensivas e desculpar-se-ia. Para ela não sou nenhum “muçulmano”. Sou o menino indiano, que restaurou e voltou a viver na casa onde passou a infância, e de onde saiu há quase 30 anos. O que ela chorou quando me viu chegar com os camiões das mudanças. É uma mulher muito emotiva. O bom filho a casa torna, disse ela, enquanto chorava mais um pouquinho. A felicidade regressaria ao prédio, continuou, como nos tempos em que o meu pai o administrava (sempre contrafeito, revelo-vos aqui). “Que homem, o seu pai”, diz a D. Rosa. “A integridade, a decência, a bondade dele, das pessoas da sua raça, aliás. Os vossos valores! São incapazes de fazer mal a uma mosca! Era a única pessoa que me tratava como um ser humano! Ah! Se todos nós fôssemos assim, menino, o que seria o mundo!” Neste último ano que cá estou ela pôde confirmar que sou, de facto, igual ao meu pai, disse-me. OK

A mensagem que a D. Rosa me enviou ontem diz que os muçulmanos não acreditam que o Holocausto aconteceu, e, por causa disso, a esquerda politicamente correcta do Reino Unido retirou o assunto dos currículos escolares, para não ofender a população muçulmana. “Este é um sinal da chegada da catástrofe”, escreve o autor da mensagem. Alguém adicionou: “Revoltante! Na casa deles é como querem, e na dos outros também”. Fake news, claro. Mas como explicar isto à D. Rosa.

Há uns minutos cruzei-me com ela no elevador, e estava aflita porque recebera uma mensagem ameaçadora a dizer que o WhatsApp teria que ser pago daqui em diante, e que se ela não pagasse seria apagado do telefone. Ou algo desse género. “Como é que vou falar com os meus netos se eles fazem uma coisa destas?! Não sei o que fazer”, desabafou. Garanti-lhe que era patranha, que ela não se preocupasse, que apagasse a mensagem, e que batesse à minha porta se precisasse de alguma coisa. Não lhe falei das mensagens a dizer que os muçulmanos vão dar cabo do mundo que ela reeencaminha para todos os seus contactos diariamente. Tenho que pensar melhor em como lhe explicar. E francamente não sei se vale a pena.

Mensagem enviada pela D. Rosa

“Para o avô, a avó, nossos pais e suas famílias
Esta semana, na Inglaterra, todas as menções ao Holocausto foram removidas do currículo escolar, afirmando que prejudica a população muçulmana, que nega a existência do Holocausto.
Este é um sinal da chegada da catástrofe, que pouco a pouco se aproxima do mundo, uma evidência surpreendente da facilidade inconcebível com a qual as nações se rendem.
Cerca de 70 anos se passaram desde o final da Segunda Guerra Mundial na Europa.
Este email foi enviado para criar uma cadeia de memória
Na sua memória !!!
De 6 milhões de judeus, 20 milhões de russos, 10 milhões de cristãos, 1.900 padres católicos,
Que foram assassinados, estuprados, queimados, esfomeados e humilhados por aqueles que procuraram outro caminho!
Agora mais do que nunca, no contexto dos esforços do Irã e outros, que declararam o Holocausto uma "lenda"!
É absolutamente necessário fazer todo o possível para que o mundo nunca se esqueça ...
Esta mensagem deve atingir pelo menos 40 milhões de pessoas em todo o mundo.
Junte-se a nós e participe da cadeia de memória, ajude a espalhá-la pelo mundo.
Por favor, envie a mensagem para 10 ou mais conhecidos e peça-lhes que continuem com a corrente.
Não apague a mensagem, apenas tire um minuto para transmiti-la!                        👍🏻 revoltante ...na 🏠 deles é como eles querem e na dos outros tb”


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