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A estratégia da extrema-direita para os “media”
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Uma investigação da revista austríaca Falter apresenta em detalhe
as estratégias que os partidos da extrema-direita utilizam para obter o
controlo dos meios de comunicação social e influenciar a opinião
pública. Uma das principais constatações é a de que o Partido da
Liberdade da Áustria (FPÖ) é um modelo a seguir pela extrema-direita do
resto da Europa. A avaliar pelos resultados das europeias, esta teia
mediática parece estar a resultar. Este trabalho foi finalista do European Press Prize.
A estratégia da extrema-direita para os “media”
Nina Horaczek/Público
Pegando mais uma vez num copo de vodka e Red Bull naquela noite fatídica na ilha de Ibiza,
Heinz-Christian Strache, então líder do partido populista de direita
austríaco FPÖ, disse: “De qualquer maneira, os jornalistas são as
maiores putas do planeta”. No Verão de 2017, o principal rosto do FPÖ
dizia a uma suposta sobrinha de um oligarca russo que queria construir
uma teia mediática como aquela que o primeiro-ministro Viktor Orbán
tinha erguido na Hungria. Strache aconselha a alegada sobrinha rica a
entrar no capital do jornal diário austríaco de maior circulação, o Kronen Zeitung,
para que, a partir desse título, o FPÖ pudesse ser levado até à
liderança política do país. Em troca, e assim que o FPÖ vencesse as
eleições e chegasse ao Governo com o seu apoio, Strache prometia à
mulher russa que as empresas que ela viesse a criar receberiam grandes
encomendas do sector público, como a construção de auto-estradas.
O
chamado “vídeo de Ibiza” foi secretamente gravado em 2017 e dura mais
de seis horas. Foi tornado público há duas semanas e por causa do seu
conteúdo Strache, então vice-chanceler, foi obrigado a renunciar ao cargo, provocando também a queda do Governo austríaco,
que era liderado por Sebastian Kurz (do Partido Popular, ÖVP). Para
além da tempestade política que provocou, este vídeo põe a nu a conduta
moral do populismo de direita, de uma forma que ainda não tinha sido
vista na Áustria. Mas também revela como os populistas e extremistas de
direita de toda a Europa estão a trabalhar numa estratégia de controlo
hegemónico dos media dos seus países.
Captura de ecrã do "vídeo de Ibiza". Strache aparece sentado no sofá ao lado da suposta russa milionária
DR
A presença de meios de comunicação social de extrema-direita está a
tornar-se mais comum na Europa. A situação política em cada país pode
ser diferente, mas a estratégia para dominar os media nacionais é
surpreendentemente parecida: a partir da oposição política, construir
uma máquina de propaganda na comunicação social disfarçada de “notícias
alternativas”; após chegar ao governo, colocar os meios do serviço
público sob controlo e condicionar os media independentes e críticos. Pode-se dividir esta estratégia em sete passos:
Primeiro passo Construir o nosso próprio império de comunicação social
Berlim,
Jakob Kaiser-Haus, sala 6630. Por trás desta porta, num prédio anónimo
na zona administrativa de Berlim, existe um estúdio de gravação do
partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (Alternative für
Deutschland, AfD). É uma sala pequena, com uma parede divisória azul
decorada com o símbolo da AfD, uma tela chroma key verde, uma
câmara e projectores. Com a ajuda da equipa da AfD de Unter den Linden, é
aqui que o partido pretende produzir as emissões noticiosas com as
quais espera afastar os alemães das Tagesschau, os muito populares serviços públicos de notícias, e em seu lugar atraí-los para a AfD-News, fiel ao partido.
O
equipamento para este assalto ao serviço público de notícias provém de
Viena. Foi aí que Joachim Paul, deputado da AfD na Renânia-Palatinado,
foi durante algum tempo o chamado “Madchen fur Alles” (“a rapariga faz-tudo”) do site de extrema-direita Unzensuriert.at,
com sede num edifício de uma associação pan-germânica em Viena.
Regressado à Alemanha, Paul lançou, para a AfD, o canal online AfD Rheinland-Pfalz.
Agora, a AfD-News está a alargar-se a toda a Alemanha. Segue como
modelo a FPÖ-TV, a emissão de Internet que o FPÖ, de extrema-direita,
lançou na Áustria em 2012. Através da FPÖ-TV Direkt, o Partido da Liberdade começou recentemente a oferecer um programa noticioso para utilizadores de dispositivos móveis.
O polémico ex-ministro do Interior da Áustria, Herbert Kickl, durante uma transmissão da FPÖ-TV
DR
O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán implementou uma estratégia para os media muito antes. Depois de ter sido derrotado nas eleições legislativas em 2002, rapidamente encontrou um culpado: os media independentes,
que tinham criticado demasiado o seu partido, o Fidesz (União Cívica
Húngara). A partir da oposição, Orbán dedicou-se a construir para si
meios de comunicação leais. Oligarcas ligados ao Fidesz tiveram um papel
decisivo, adquirindo jornais independentes e emissoras privadas. Hoje,
os seguidores do Fidesz dominam o mercado de comunicação húngaro. Um
novo estudo levado a cabo pela investigadora e especialista de media
húngara Agnes Urban mostra que, actualmente, 78% dos media na
Hungria são controlados por Orbán. Nas eleições europeias, o partido do
primeiro-ministro húngaro alcançou um dos melhores resultados a nível
europeu, com 52% dos votantes a escolherem o Fidesz.
Não é uma
surpresa que no “vídeo de Ibiza”, o então líder do FPÖ ambicionasse um
sistema mediático como o de Orbán. Certo é que desde há muito que o FPÖ
tem tentado fazer o mesmo na Áustria, tendo ao longo dos últimos dez
anos investido em empresas de comunicação leais ao partido. “Tentámos
tirar partido de uma certa necessidade comunicacional”, afirmou numa
entrevista o ex-secretário-geral do partido, Herbert Kickl.
Captura de ecrã do site Unzensuriert.at
DR
O Zur Zeit — desde há
muito ligado à chamada imprensa azul (azul refere-se à extrema-direita) —
é um semanário fundado em 1997 pelo dirigente do FPÖ Andreas Molzer. O
jornal denunciou racialmente o futebolista David Alaba, insultou o
fundador do Life Ball [evento anual em Viena para portadores de
HIV/SIDA] Gery Keszler como sendo um “maricas profissional”, e
recentemente apelou a que se retirasse o direito de voto a “grupos
antinativos” e à “reintrodução de ‘workhouses’” [asilos para indigentes e trabalhadores forçados]. De acordo com um comunicado divulgado pelos editores do Zur Zeit duas semanas após a publicação desta notícia, o texto terá “escapado” para a edição “por engano”.
Por
seu lado, a plataforma online Unzensuriert.at, que está muito ligada ao
FPÖ e cujo director-executivo, Walter Asperl, é funcionário do grupo
parlamentar do partido, incita contra muçulmanos, refugiados e
homossexuais. A revista Info-Direkt,
publicada no Norte da Áustria, é um ponto de encontro para os
identitários e nacionalistas da extrema-direita e do FPÖ. Aí encontramos
artigos como “Schluss mit dem Gutmenschenterror” (“Fim ao terror das
pessoas boas”) ou “Der Informationskrieg beginnt jetzt” (“A guerra da
informação começa agora”). O ano de 2016 foi aquele em que “o sistema
dos media” foi “atingido e ferido”, diz a Info-Direkt.
“Na guerra da informação, agora é a altura de atacar, de quebrar a
opinião tradicional e do centro.” Os jornais de extrema-direita
conseguiram alcançar este objectivo com a ajuda do FPÖ, que compra
espaço de publicidade na Info-Direkt, com slogans como “Die Islamisierung gehört gestoppt” (“A islamização tem que ser travada”).
Existe uma ligação permanente entre meios de comunicação social
austríacos e alemães. O editor-chefe da versão online da revista Wochenblick, publicada no norte da Áustria e também apoiante do FPÖ, trabalhou anteriormente para a Blaue Narzisse e para a Sezession, duas novas publicações de extrema-direita ligadas à AfD. Chris Ares, um rapper
nacionalista da Alemanha (“Du mein Deutschland, Lied für Chemnitz” –
“Tu, minha Alemanha, canção para Chemnitz”), é um identitário
nacionalista alemão e colunista na Info-Direkt.
Na edição
de 2016 do congresso Verteidiger Europas (Defensores da Europa),
organizado na cidade austríaca de Linz por identitários nacionalistas,
Jurgen Elsasser, editor-chefe da revista alemã Compact, foi um dos oradores. No congresso havia bancas que, para além da Compact e de anúncios ao site Unzensuriert.at, vendiam a Alles Roger? e a publicação de “rechtsintellektuelle” (“direita intelectual”) Sezession,
cujo fundador, Gotz Kubitschek, esteve presente, chegando ao local com
dez caixotes de revistas na bagageira do seu automóvel. Na mesma
ocasião, a Info-Direkt entrevistou Paul Hampel, actualmente
porta-voz para os Negócios Estrangeiros da AfD. Por seu lado, Manuel
Ochsenreiter, um enérgico jornalista de extrema-direita alemão,
discursou, na condição de “especialista no Médio Oriente”, sobre como a
Síria é um país suficientemente seguro para se poder deportar pessoas
para lá.
DR
Em França, o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen — como a
União Nacional (UN) agora se auto-intitula — está a seguir um caminho
semelhante. No ano passado, o porta-voz para a imprensa da sobrinha de
Le Pen, Marion Maréchal, fundou a L’Incorrect, uma luxuosa revista destinada a um público jovem. A linha editorial é clara: “Vamos espremer 1968!”
A L’Incorrect não é o único meio de comunicação sob a
influência da UN de Le Pen. O alcance das publicações da
extrema-direita, especialmente no seu formato online, chegou a uma tal
ubiquidade em França que já foi cunhada uma expressão para a descrever: “fachosphère”,
uma esfera fascista na Internet. Fdesouche, por exemplo, é uma
abreviatura para François Desouche. Tal como o Unzensuriert.at, o site
fdesouche incita abertamente contra emigrantes e outras minorias e
tornou-se uma das plataformas mais populares da “fachosphère”.
De acordo com o site de análise e pesquisa Alexa, em 2016 sete dos dez
sites políticos da Internet mais lidos em França pertenciam à
extrema-direita. Nas eleições europeias, a UN chegou aos 24,9% do total
de votos, tornando-se no maior partido de França.
Uma das
explicações para o sucesso de Le Pen pode estar no facto de em França a
influência da extrema-direita se estender aos media conservadores
tradicionais. O diário conservador Le Figaro, por exemplo, tem
como colunista Éric Zemmour, uma das estrelas da direita, que Le Pen
gostaria de ver no cargo de ministro da Cultura. Zemmour afirma
publicamente que os empregadores têm o direito de rejeitar árabes ou
negros, e disse à apresentadora de televisão francesa Hapsatou Sy, cuja
mãe é originária do Senegal, que o seu nome próprio é “um insulto à
França”.
Segundo passo Inspirar medo através de notícias falsas
Os
populistas de direita auxiliam-se mutuamente a nível internacional. A
20 de Março de 2018, pouco antes das eleições húngaras, a Duna
Médiaszolgáltató, emissora de serviço público da Hungria, abordou a
Alemanha. Numa reportagem televisiva, um homem na rua queixou-se que
tinha sido obrigado a abandonar a sua casa porque se tinham instalado
emigrantes no seu bairro; uma mulher disse que Hamburgo estava tão
perigosa que apenas saía de sua casa armada com uma lata de
gás-mostarda.
Mas os entrevistados eram, afinal, dirigentes da
AfD. A fraude foi exposta por Márta Orosz, uma jornalista húngara a
trabalhar no Correctiv, um centro de investigação e pesquisa na
Alemanha. Orosz indicou pelo menos sete ocasiões em que políticos da AfD
tinham falado na televisão estatal húngara sem terem mencionado a sua
filiação partidária.
Orosz trabalhara como correspondente na
Alemanha para os canais estatais húngaros. Mas quando o seu editor em
Budapeste fez cortes numa reportagem sua sobre as eleições alemãs de
2017, nomeadamente a parte de que “nas fileiras da AfD também se incluem
extremistas de direita”, demitiu-se.
A chanceler Angela Merkel é um dos principais alvos da revista alemã Compact
DR
No início de 2016, outro canal de televisão estatal húngaro, o M1,
emitiu imagens de violência sexual na Praça Tahrir, no Cairo, de 2012
como sendo gravações dos incidentes da passagem de ano em Colónia. Em
Junho desse ano, os húngaros ficaram a saber, através das emissoras
públicas, que a cidade alemã de Essen tinha-se renomeado como “Fasten”
(Jejum), devido ao mês muçulmano do Ramadão. Esta história tinha sido
efectivamente publicada na Alemanha, mas numa plataforma satírica.
Os
editores de media franceses de extrema-direita também olham para o
exterior. Em Outubro de 2018 surgiu uma reportagem na revista L’Incorrect,
ligada à UN, sobre as “dramáticas” condições em Viena, que estava tão
“globalizada” que em determinadas áreas já não se falava alemão.
“Bem-vindos à segunda maior cidade turca a seguir a Istambul!” era a
manchete da L’Incorrect acerca do Mercado Viktor Adler, na zona de Favoriten. “À nossa volta, mulheres de hijab
empurram os seus carrinhos de bebé.” Na Hungria, por seu lado, “o Sol
brilha até no Outono”. Porque o país “é tudo menos uma terrível
ditadura, ao contrário do que afirmam os media ocidentais”.
Já os
meios de comunicação social de direita da Áustria noticiam que os
húngaros a viver na Alemanha ou na Suécia fugiram desses países “devido à
emigração em massa” (no site Unzensuriert.at) ou que Angela Merkel é
“louca pela emigração” (Info-Direkt).
Membro do movimento de extrema-direita alemão
Hagida durante uma manifestação em Hannover, em Junho de 2018
David Speier/NurPhoto via Getty Images
Terceiro passo Difamar quem nos critica
Antoni
Szpak é acusado de ter insultado o povo polaco. Quando o presidente da
República, Andrej Duda, agradeceu ao fundador da ultrarreligiosa estação
de rádio católica Rádio Maria pelo seu apoio ao partido no poder, PiS, o
humorista Szpak comentou que “apenas num país estúpido e tacanho pode
surgir uma tal paranoia”. Por causa deste comentário, o procurador do
Ministério Público “quer levá-lo a tribunal por ter insultado o povo
polaco”, escreveu o diário alemão Süddeutsche Zeitung.
O Estado polaco também está a perseguir o conhecido jornalista Tomasz Piatek, colunista da Gazeta Wyborcza.
Este publicou um conceituado livro acerca de ligações perigosas e
suspeitas entre o ministro da Defesa, Antoni Macierewicz, a Máfia russa e
os serviços secretos. Agora o gabinete do procurador das Forças Armadas
está a investigar se Piatek não terá atacado o ministro da Defesa.
Enquanto está a ser ameaçado com perseguição em tribunal no seu país
natal, Piatek recebeu o prestigiado Prémio Leipzig para a liberdade e o
futuro dos media, na Alemanha. “Apesar das cada vez mais difíceis
condições para os jornalistas, Tomasz Piatek não fica intimidado pelas
ameaças ao seu trabalho de investigação”, explicou o júri.
Na Hungria, as campanhas eleitorais recorrem a golpes baixos. “Orbán
quer quebrar o meu espírito”, afirmou Gábor Vona, então presidente do
partido húngaro de extrema-direita Jobbik, que concorria contra Orbán,
para impedir a maioria absoluta deste. Os meios de comunicação social
ligados ao Fidesz espalharam o rumor de que Vona era homossexual para
tentar condicionar os eleitores conservadores, que dificilmente
apoiariam um candidato gay, especialmente nas zonas rurais.
Por
outro lado, os jornalistas que criticam demasiado Orbán e a sua equipa
acabam em listas negras. Em Abril de 2018, o jornal húngaro pró-Fidesz Magyar Idok
publicou os nomes de alegados jornalistas antigovernamentais, incluindo
numerosos correspondentes estrangeiros. E sob o título “Os empregados
do especulador”, o semanário Fygyelo publicou os nomes de 200
alegados “mercenários” ao serviço do multimilionário norte-americano de
origem húngara George Soros. Na lista surgiam também os editores do
portal noticioso Direkt36.hu, que tinha anteriormente revelado acusações de corrupção no governo de Orbán.
Uma “rede Soros” foi também identificada na Áustria pela revista Alles Roger?,
dada a teorias da conspiração e ligada ao FPÖ. Os supostos cabecilhas
desta rede são o ex-chanceler e líder do Partido Social-Democrata
Christian Kern, o presidente Alexander Van Der Bellen, o ex-chanceler
Wolfgang Schüssel, do partido conservador (ÖVP), bem como músicos de
esquerda, activistas de direitos humanos, media liberais e até
banqueiros.
Na mesma edição, na qual a Alles Roger? colocou o “plano
secreto de Soros” na capa, Herbert Kickl (FPÖ), que era na altura
ministro do Interior, concedeu uma entrevista, e o seu ministério tinha
aí comprado um espaço de publicidade a pedir candidatos para ingresso na
polícia.
Quarto passo Usar o Facebook como amplificador!
Os novos media de
extrema-direita funcionam melhor em combinação com o Facebook. Quando o
ex-líder do FPÖ Heinz-Christian Strache partilhava um post do
Unzensuriert.at, da Wochenblick ou de uma página da mesma tendência política, essa mensagem alcançava quase 800 mil seguidores no Facebook.
O pingue-pongue virtual de partilha de temas funciona muito bem em interacção com os chamados “jornais de boulevard” — diários populares vendidos na rua. Numa entrevista à revista mensal Fleisch, o editor-chefe do maior site tablóide austríaco, o Krone.at,
Richard Schmitt afirmou há alguns anos: “Estamos empenhados num combate
com media da extrema-direita, com o Unzensuriert.at. e outros sites.”
Mas também confirma que as suas notícias online beneficiavam do grande
alcance do ex-líder do FPÖ no Facebook: “Se Strache partilha uma
qualquer notícia normal nossa no Facebook, isso aumenta a nossa
penetração em 150%. E o mesmo acontece no sentido contrário, obviamente,
ele também obtém mais tráfego quando partilhamos os posts dele.”
Esta
estratégia também é seguida por outros partidos de extrema-direita. A
dirigente do RN francês, Marine Le Pen, tem 1,5 milhões de seguidores no
Facebook; o ministro do Interior de Itália e dirigente da LEGA (Liga
Norte), Matteo Salvini, tem 3 milhões de seguidores. Salvini concentra a
estratégia online da sua LEGA no Facebook. O anterior jornal diário do
partido, La Padania, foi descontinuado em 2014; a Rádio Padania da LEGA emite apenas online. Tudo passa pela página do seu líder no Facebook.
No
Facebook Salvini faz discursos de cariz político enquanto a sua filha
de 4 anos entra e sai da imagem; o ministro do Interior da LEGA salta
para uma piscina de uma mansão da máfia que acabou de ser confiscada
pela polícia; ou então Salvini diz aos seus 3 milhões de fãs via
mensagem de vídeo: “São vocês que me pagam o salário. Apenas tenho que
prestar contas a vocês.”
Captura de ecrã de um directo de Salvini no Facebook
O líder da LEGA fala menos cordialmente sobre os jornalistas. Em 2013, o Corriere della Sera
citou-o como tendo dito que o seu partido ia “dar um bom pontapé em
alguns desses jornalistas manhosos e sem espinha”. Os eleitores parecem
atraídos por este tipo de discurso truculento. Nas últimas europeias,
Salvini obteve 34,9% do total de votos e tornou-se no maior partido de
Itália.
Salvini, amigo íntimo do FPÖ, vai ainda mais longe,
propagandeando as virtudes do mundo paralelo e “alternativo” dos media
de extrema-direita. Strache, ex-líder do FPÖ, foi orador convidado na
Quarta-feira de Cinzas Política da AfD na Baviera, Alemanha, em 2017:
“Não importa qual é o jornal que compro, não interessa qual o canal de
televisão que ligo, a cobertura é igual.” Disse ainda que percebia por
que razão cada vez mais pessoas preferem os “media alternativos”.
Quinto passo Colocar pressão sobre a liberdade de imprensa
Na
Alemanha, a AfD exclui sistematicamente jornalistas da agenda do
partido, por estes serem demasiado críticos, segundo o ponto de vista da
AfD. Repórteres do Frankfurter Allgemeine Zeitung, da Der Spiegel
e das emissoras públicas ARD e ZDF têm sido impedidos de fazer o seu
trabalho. Os líderes da AfD também não gostam de ser criticados no
espectro dos meios de comunicação social da extrema-direita. Devido a
uma cobertura abertamente crítica da AfD, foi decidido, no início de
Janeiro de 2017, num encontro de partidos europeus de extrema-direita
que teve lugar na Alemanha, que a revista de direita Compact deveria “por favor, manter-se afastada”.
Manifestação promovida pelo AfD, da Alemanha, com capas da revista Compact, que tem uma linha editorial de extrema-direita
Mehmet Kaman/Anadolu Agency/Getty Images
Na Áustria, na noite das eleições regionais de Viena em 2015, a repórteres da revista Falter
foram proibidos de entrar na tenda do FPÖ. O secretário-geral do
partido, Herbert Kickl, explicou que liberdade de imprensa significa que
o FPÖ selecciona quais os jornalistas que podem cobrir as suas
actividades eleitorais. Quando Kickl se tornou ministro do Interior da
Áustria (cargo de que foi demitido na sequência do escândalo do “vídeo
de Ibiza” envolvendo Strache), nomeou o ex-chefe do site
Unzensuriert.at, Alexander Hoferl, para director de comunicação do
ministério. A sua interpretação de liberdade de imprensa ficou clara num
email de serviço, no qual o porta-voz do ministério pedia que a polícia
apenas fornecesse o mínimo de informação legalmente exigido aos meios
de comunicação “críticos”: o Standard, o Kurier e a Falter.
Sexto passo Adquirir uma “rádio pública”
Na
Hungria e na Polónia, os populistas de direita forçaram os canais
públicos a seguir a linha do partido após este ter chegado ao poder.
Jornalistas críticos deram por si despedidos e postos na rua, e em seu
lugar colocados membros leais do partido, outros rapidamente elevados
aos lugares de executivos. Pessoas como Daniel Papp fizeram carreira
assim. O antigo porta-voz para a imprensa do partido de extrema-direita
Jobbik tornou-se recentemente director da rádio estatal húngara. Em
2011, tinha chegado às páginas dos jornais por ter falsificado uma
notícia acerca de Daniel Cohn-Bendit, político dos Verdes e crítico de
Orbán. A reportagem de Papp indicava que quando Cohn-Bendit fora
questionado numa conferência de imprensa sobre se os abusos sexuais a
crianças eram um direito fundamental na Europa, este teria abandonado a
sala em silêncio. O certo é que o político dos Verdes respondeu à
questão detalhadamente.
Desde que Orbán reestruturou os meios de comunicação social estatais,
todas as notícias para os canais públicos provêm da agência noticiosa
estatal MTI. Assim, a diversidade de conteúdos e perspectivas é excluída
à partida.
Para além disso, a MTI disponibiliza os seus
conteúdos sem custos aos canais privados húngaros. Nesta situação, tanto
ganham as emissoras comerciais como o governo. Os canais privados
poupam nas despesas ao não necessitarem de ter uma redacção própria, e o
governo pode espalhar a sua propaganda.
Quando, na Primavera de
2017, mais de 50 mil pessoas protestaram de forma pacífica em Varsóvia
contra a reforma judicial planeada pelo partido no poder, PiS, que iria
retirar competências aos órgãos judiciais independentes, a televisão
estatal denegriu os acontecimentos. Falou de “agressão e má educação”
nas ruas de Varsóvia; que os manifestantes eram “defensoras de
pedófilos”; avisou sobre um “possível golpe de Estado da oposição”;
alertou que os “amigos de Soros” estavam “a tentar derrubar o governo
polaco”; e que a revolta nas ruas era “uma tentativa de trazer
emigrantes islâmicos para a Polónia”.
O que já está totalmente
implementado na Hungria e na Polónia — onde, em vez de serviço público
há canais de propaganda do governo — está apenas a começar a acontecer
na Áustria e na Itália.
Desde Outubro passado, a RAI, a radiotelevisão pública de Itália, tem
um novo patrão, Marcello Foa. O sindicato de media italianos FNSI
considerou esta decisão “um golpe mortal na independência e gestão
autónoma do serviço público de rádio e televisão”. Foa é amigo do
dirigente da LEGA, Salvini, e mantém uma boa relação com os populistas
do Movimento Cinco Estrelas, que governa o país em coligação com a Liga
Norte. Foa atraiu a atenção do público no passado, quando, no seu blogue
Il Giornale, descreveu os gays como “anormais”, as vacinas
para as crianças como sendo “perigosas”, e os denominados meios de
comunicação tradicionais como “mentirosos”. O jornal liberal-conservador
La Stampa definiu o novo patrão da RAI como “um apoiante de
Putin, apoiante de Salvini, e tudo menos moderado”. A direcção e a
administração da RAI sofreram, entretanto, várias alterações.
Os
populistas do Movimento Cinco Estrelas aplaudiram o anúncio destas
mudanças. “Estamos agora a embarcar numa verdadeira revolução cultural
na RAI, de forma a livrar-nos dos parasitas”, rejubilou o
vice-primeiro-ministro italiano, Luigi Di Maio.
Na Áustria, o
serviço público de radiotelevisão também estava para ser reestruturado.
Quando o FPÖ ainda estava no governo, tencionava financiar a ORF
directamente através do Orçamento do Estado — pelo que o então o
director da ORF teria que ir todos os anos bater à porta do governo a
pedir financiamento, situação que levaria à perda de independência. O
plano falhou porque o governo austríaco caiu prematuramente.
Sétimo passo Destruir financeiramente quem nos critica
Até à Primavera de 2016, o Gazeta Wyborcza
era lido e apreciado nos tribunais polacos. O diário de referência é um
dos jornais de maior circulação no país. Mas assim que os populistas de
direita do PiS chegaram ao poder, o ministério da Justiça ordenou aos
tribunais que cancelassem as assinaturas do Wyborcza. Pouco depois, outros ministérios tomaram a mesma decisão.
Simultaneamente, o Wyborcza
deixou de receber publicidade de empresas ligadas ao Estado. Depois
foram as empresas privadas que já não se atreviam a comprar publicidade
no jornal. É do conhecimento público que nenhum contrato governamental é
atribuído a empresas que tenham ligações com media críticos. Devido a
estas perdas financeiras, o Wyborcza despediu jornalistas.
Na Hungria, o maior jornal diário independente, o Népszabadság,
foi adquirido por uma empresa detida por um apoiante de Orbán e depois
simplesmente encerrado. Com a compra da editora que publicava o Népszabadság,
os apoiantes de Orbán conseguiam retirar de cena um jornal fortemente
crítico. A editora também detinha a propriedade de uma dúzia de jornais
regionais, populares nas zonas rurais. Os editores destes jornais locais
foram rapidamente substituídos por jornalistas favoráveis ao governo. O
impacto destas medidas ficou demonstrado no ano passado, quando um
portal online publicou a primeira página de todos esses jornais
regionais no mesmo dia. Todos tinham nela a mesma fotografia de Orbán,
com um artigo idêntico.
Depois, na Primavera de 2018, o diário independente Magyar Nemzet
também desapareceu. Este título, fundado em 1938, sobrevivera à
ocupação nazi na clandestinidade, bem como à censura do regime
comunista. Quando Lajos Simicska, empresário húngaro e proprietário do
jornal, se desentendeu com Orbán, em 2015, o Magyar Nemzet
tornou-se uma das principais vozes críticas do regime no país. Após
Orbán ter ganho as eleições parlamentares pela terceira vez na Primavera
de 2018, Simicska deixou de financiar o jornal.
Por sua vez, o
serviço de notícias online húngaro Origo não foi fechado, mas
reformulado. Em Junho de 2014, o editor-chefe desta plataforma noticiosa
de grande sucesso soube da sua demissão. “Medidas de reestruturação”
foi a razão que a empresa proprietária, uma subsidiária húngara da
German Telekom, deu para justificar a sua demissão. O Origo tinha
publicado anteriormente provas de que políticos de topo do Fidesz
ficavam em hotéis de luxo pagos com o dinheiro dos contribuintes.
Hoje,
os conteúdos do Origo são muito diferentes. Por exemplo, um vídeo
mostra uma mulher idosa numa igreja a ser atacada aos gritos de “Allahu
akbar!” (“Alá é Grande!”). O título era: “Europa 2017 — Queremos mesmo
isto?” Como demonstrou a revista independente HVG, o vídeo não
era de um ataque muçulmano na Europa, mas de um assalto numa igreja
norte-americana dois anos antes. O vídeo foi visto centenas de milhares
de vezes e ainda está online, apesar de ser uma farsa deliberada.
Na
Polónia, os meios de comunicação social mantêm uma maior diversidade
porque vários jornais são propriedade de editoras estrangeiras. Mas
mesmo aí o governo polaco está a preparar grandes alterações. Em Julho
de 2018, a deputada Krystyna Pawlowicz, do PiS, citada pela Gazeta Wyborcza,
anunciou em frente a um grupo de media independentes no Parlamento
polaco: “Depois das férias de Verão, finalmente vamos tratar de vocês”.
Não foi ainda tornada pública qualquer lei nesse sentido, mas os jornais
independentes poderão em breve ser obrigados a limitar a quota de
acções na posse de investidores estrangeiros.
Gazeta Wyborcza
A política para a comunicação social também se alterou na Áustria
durante a estada do FPÖ no poder. Em vez dos media críticos e
independentes, subitamente foram extremistas de direita anteriormente
desconhecidos como a Wochenblick ou a Alles Roger? que
começaram a receber verbas de publicidade estatal. A ORF, pública,
exibiu o ex-vice-chanceler Strache a fortalecer os seus músculos num
ginásio e o ex-ministro dos Transportes, Norbert Hofer, a subir aos céus
num avião privado.
Os eleitores do FPÖ nem sequer culparam o
ex-líder do FPÖ, Heinz-Christian Strache, por dizer abertamente no
“vídeo de Ibiza” que ambicionava restringir a liberdade de imprensa. Nem
mesmo o facto de querer usar oligarcas russos para influenciar a linha
editorial do maior jornal diário da Áustria deixou os simpatizantes do
partido irritados. É verdade que Strache teve que renunciar ao cargo de
vice-chanceler por causa daquele vídeo. Mas nas eleições europeias que
aconteceram apenas uma semana depois do escândalo rebentar, o seu FPÖ
recolheu 17,2% dos votos. E o próprio Strache, apesar de estar em último
lugar na lista do partido, recebeu tantos votos preferenciais que tem
agora direito a um mandato como eurodeputado.
Nota: Este artigo, originalmente publicado na revista austríaca Falter, foi elaborado como parte do “Europe’s Far Right” (Extrema-Direita na Europa), um trabalho de investigação que começou na Primavera de 2018 em Berlim e que actualmente engloba cinco países europeus. A Falter é o parceiro austríaco desta rede. Os parceiros individuais deste projecto são: HVG, revista semanal independente da Hungria; Libération Links, do jornal diário liberal sedeado em Paris; taz Deutschlands linke, do jornal diário sedeado em Berlim;Gazeta Wyborcza, jornal diário independente da Polónia. Este texto foi finalista do European Press Prize, cujos vencedores foram conhecidos no dia 23 de Maio,
tendo sido actualizado expressamente para o P2 em função do resultado
das eleições para o Parlamento Europeu, bem como de outros
acontecimentos relevantes para a manutenção da sua actualidade.
Foi preso pela PIDE, teve cinco livros proibidos pela censura, inventou anúncios para grandes empresas e adorava noitadas de conversas e copos com os amigo. Orlando da Costa morreu a 26 de Janeiro de 2006. A sua história é tão fascinante que não precisava de uma efeméride nem de dois filhos influentes para ser contada A vida incrível do pai de António e Ricardo Costa (ou Babush e Babuló) PEDRO JORGE CASTRO / SÁBADO Pouco depois de o actual primeiro-ministro ter nascido, a 17 de Julho de 1961, a sua mãe e o seu padrinho de baptismo, o arquitecto Victor Palla, convocaram os respectivos cônjuges para uma reunião. Eram os quatro sócios numa empresa, mas a agenda deste encontro, em casa do arquitecto, era estritamente pessoal: a mãe e o padrinho tinham chegado à conclusão de que se tinham apaixonado, não sabiam bem o que haviam de fazer a partir dali, mas entendiam que o primeiro passo era partilhar o facto. Foi desta fo...
A existir um grande elemento que caracteriza as lendas portuguesas de Mouros e Cristãos é o de um amor que tende a surgir entre eles, terminando quase sempre com o casamento - e conversão - de uma bela princesa moura. A lenda de Gaia (a cidade ao pé do Porto ), também conhecida como lenda do Rei Ramiro em virtude do seu herói, transporta-nos para esse mesmo imaginário popular, mas com algumas especificidades curiosas, como podemos ver através de um breve resumo: A lenda de Gaia diz então que Ramiro foi o segundo rei desse nome em Leão e viveu na primeira metade do século X. Apesar de já ser casado - algumas versões dizem que o nome da esposa era Aldora, outras chamam-lhe Gaia - apaixonou-se por um bela princesa moura, mas o irmão desta, um tal Alboazer, não a quis dar em casamento. Então Ramiro raptou-a, levou-a para Leão, converteu-a ao Cristianismo e deu-lhe o nome de Artiga . Porém, face a este rapto Alboazer não se manteve impávido e sereno. Em vez disso, ra...
Gravura representando uma experiência conduzida por Alhazen, físico e matemático árabe do séc. X, que observou como se formavam as imagens no interior da sua tenda quando a luz do sol passava pelas frestas do tecido. Nos seus tratados de óptica, Alhazem descreveu os príncípos da “câmara escura”, a base da fotografia moderna. Numa experiência que realizou, numa sala escura, um pequeno buraco na parede deixava passar a luz do lado de fora. Colocou várias lâmpadas fora da sala e observou que um número idêntico de pontos de luz aparecia dentro da sala, na parede oposta ao buraco. Ao colocar um obstáculo entre a lâmpada e o buraco, um ponto de luz desaparecia e ao retirar o obstáculo o ponto de luz reaparecia. Logo percebeu que cada lâmpada e o seu correspondente ponto de luz eram alinhados perfeitamente numa linha recta que passava pelo buraco. Desta forma simples, Alhazen provou que a luz viajava em linha reta, defendendo assim a teoria da propagação retilínea da luz. Essa definição ...
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