O Ceilão Português


O Ceilão Português

O actual Sri Lanka, ilha no Oceano Índico, foi conhecida também por Taprobana, na tradição greco-latina, Serendib, entre os árabes e Hsi-lan no mundo chinês. Sri Lanka quer dizer “ilha resplandecente” em sânscrito (श्रीलंका), a língua clássica da civilização indiana, que chegou à ilha com com os migrantes cingaleses no séc. VI a.C. Ceilão, antigo nome do país, deriva da palavra em língua páli "sīhala" (सीहल) significando “terra dos leões”, do sânscrito "siṃhala" ( सिंहल).

Os primeiros contactos com os portugueses deram-se em Setembro de 1506 com a chegada de Dom Lourenço de Almeida a Columbo, e uma possível arribada a Galle. A hipótese de esta viagem ter ocorrido em 1505 (Castanheda) está hoje posta de lado. Uma viagem de João da Nova em 1501, embora plausível (cf. Bouchon), não se encontra documentada. Ceilão ocupou uma posição semi-periférica no sistema português do Índico. País exportador de canela, elefantes, areca e pedras preciosas, exerceu sobre os portugueses uma forte atracção comercial desde 1506, ano em que se estabeleceram relações amistosas com o rei de Kotte, Dharma Parakramabahu IX (r. 1489-1513). Os soberanos budistas de Kotte interessaram-se pelos portugueses enquanto comerciantes, mas também na sua função militar, desenvolvendo desde cedo esforços para atrair as forças do Estado da Índia ou mais genericamente soldados portugueses à ilha com vista à sua participação em conflitos locais e nas guardas palacianas. Em 1518 foi estabelecida, por ordem de D. Manuel e no seguimento de um pedido do rei de Kotte Vijayabahu VI (1513-21) uma primeira fortaleza portuguesa em Columbo. Por consequência de um conflito surgido nesta ocasião, o rei cingalês foi feito vassalo da coroa portuguesa, passando a pagar páreas anuais de canela num regime tributário formalizado. A fortaleza seria porém abandonada em 1524, devido à incapacidade que ambas as partes revelaram em coordenar o pagamento de tributos por parte de Kotte com as contrapartidas militares do lado português.

Nas décadas de 1520 e 1530, as relações portuguesas com Ceilão passaram por contactos diplomáticos esporádicos e pela consolidação de uma comunidade de algumas dezenas de indivíduos portugueses no reino de Kotte. Sob pressão militar crescente por parte do reino vizinho de Sitawaka, saído de uma partilha no seguimento da morte de Vijayabahu em 1521, Bhuvanekabahu VII (1521-51), rei de Kotte, viu-se compelido em 1533 a assinar um tratado permitindo a transacção da canela, para além das páreas, sob condições muito vantajosas para os portugueses. Em 1542-43 uma embaixada de Kotte a Lisboa reforçou o contrato de vassalagem de 1518, estabeleceu o jovem príncipe Dharmapala como sucessor de Bhuvanekabahu VII, e abriu Ceilão à actividade missionária dos franciscanos capuchos da Província da Piedade (ver artigo Missionação em Ceilão). Durante a década de 1540 intensificou-se o interesse dos portugueses pelos diversos reinos de Ceilão, incluindo Sitawaka, Kandy, Jaffna, as Sete Corlas e os chefados da parte oriental da ilha (Welasa, Bintenna, Batticaloa, Trincomalee). Esboçaram-se então, em Columbo, Cochim e Goa, os primeiros planos para a conquista e a missionação da ilha como um todo, muitas vezes em diálogo com soberanos ou candidatos alternativos aos tronos locais.

Após a morte de Bhuvanekabahu VII em 1551, o vice-rei Afonso de Noronha estabeleceu pessoalmente uma nova guarnição em Columbo, reforçada em 1554, a qual subsistiria até 1656. O despojo do principal templo budista de Kotte, o Templo do Dente de Buda (Dalada Maligawa), por ordem de Noronha, minou porém a legitimidade do novo rei Dharmapala (1551-97), causando uma transferência maciça de lealdades para o rei de Sitawaka, Mayadunne (1521-81). O filho de Mayadunne, Rajasinha I (c.1581-93), viria a ser o principal senhor nas terras baixas anteriormente controladas por Kotte.

Durante as décadas de 1550-80, a presença portuguesa oficial viu-se confinada ao reduzido território remanescente do reino de Kotte, cujo cerco por Sitawaka obrigava a saídas militares sazonais de pequena envergadura com o fim de abastecer a capital de víveres e bens de trato (a corte de Kotte foi transferida para Columbo em 1565). O rei Dharmapala (1551-97) aceitou ser baptizado pelos franciscanos em 1557, tomando por nome Dom João. Em 1580, assinou um testamento em que doava mortis causa o reino de Kotte à coroa portuguesa. Durante a década seguinte surgiram também sinais de um renovado interesse desta última por Ceilão. No entanto, as únicas fortalezas portuguesas na ilha nesta época eram a de Columbo e a de Mannar, estabelecida após a campanha de D. Constantino de Bragança a Jaffna em 1560 com o fim de controlar a navegação no Estreito de Palk e proteger uma incipiente comunidade de cristãos locais.

Foi na década de 1590 que se iniciou a conquista de Ceilão propriamente dita, com ordens explícitas dadas em Lisboa e Madrid. Uma primeira tentativa de controlar o reino de Kandy, colocando no seu trono um cliente cristão, D. Filipe Yamasinha, falhou em 1591. No mesmo ano, porém, André Furtado de Mendonça lograria colocar no trono de Jaffna um rei favorável aos portugueses, Ethirimanna Cinkam (1591-1616), e em 1593 morreria Rajasinha I, rei de Sitawaka e principal inimigo de Kotte, abrindo as portas a novas campanhas militares. No ano seguinte, Pero Lopes de Sousa, primeiro capitão geral da conquista de Ceilão, encarregava-se de conquistar o reino de Kandy e de colocar no seu trono Dona Catarina Kusumasanadevi, irmã de D. Filipe Yamasinha. A expedição acabou no desastre de Danture, fortalecendo a posição de Vimaladharmasuriya, rei budista (1591-1604) que casou com Dona Catarina em Kandy.

A partir de 1594, e até 1612, a capitania geral foi ocupada por Dom Jerónimo de Azevedo. Construíram-se, numa primeira fase, fortes em Ruwanwella, Galle e Uduwara. A morte do rei Dom João em 1597 levou à integração formal do reino de Kotte na Monarquia Católica de Filipe II, encorajando as autoridades a apostar na conquista dos territórios perdidos ao longo do século XVI, e ainda de outros reinos na ilha. Nesse ano, existiam já fortes e fortalezas em Galle, Matara, Kalutara, Negumbo, Chilaw, Gurubewila, Batugedara, Runwanwella e Kurwita/Delgamuwa e Sitawaka, e ainda tranqueiras em Malwana e Kaduwela. Com a conquista dos territórios das Quatro e Sete Corlas, a leste e a norte de Columbo, criaram-se fortes em Menikaddawara, Damunugashima, Mottapuliya, Diyasunnata, Attapitiya, Deewala, Alawwa, Etgaletota, Katugampola e Pentenigoda. O novo sistema de fortificações servia para estabilizar os territórios conquistados e bloquear os acessos a Kandy. Iniciou-se também, nestes anos, a inventariação das terras de Kotte (primeiro registo em 1599 pelo então nomeado vedor da fazenda de Ceilão; tombo extensivo em 1614-17). Quebrou-se, em 1602, o monopólio franciscano sobre as missões de Ceilão, abrindo as portas aos Jesuítas, Agostinhos e Dominicanos. No entanto, uma expedição de Azevedo a Kandy fracassada em 1603 (a “famosa retirada”) levou à desintegração do primeiro sistema de domínio territorial, exigindo a sua reconquista em 1605, enquanto Kandy via a subida ao trono do rei Senarat (1604-35). Nos anos seguintes lançaram-se repetidos ataques contra os territórios de Kandy, mas sem sucesso definitivo. Uma extensa revolta das populações do interior do Sudoeste, sob Nikapitiya Bandara, em meados da década de 1610, acabou por forçar os portugueses e o reino Kandy a um acordo de paz em 1617. Por este tratado, ficou o rei de Kandy vassalo da coroa portuguesa, salvaguardando a sua independência de facto em conformidade com as práticas cingalesas do século anterior.

Impedido de investir na conquista de Kandy, Constantino de Sá de Noronha pacificou entre 1618 e 1621 as terras baixas e enviou uma expedição naval para o Norte sob o comando de Filipe de Oliveira, que logrou anexar o reino de Jaffna ao Estado da Índia em 1619. Após uma capitania inexpressiva de Jorge de Albuquerque (1621-23), Sá de Noronha assumiu novamente o comando de 1623 até à sua morte em 1630. Os anos de 1623-28 viram uma relativa acalmia nas terras de Kotte e Kandy. Como reacção ao aparecimento de holandeses e dinamarqueses na ilha, os portugueses fortificaram Batticaloa e Trincomalee. Procederam também, ao longo da década de 20, à reforma das fortificações de Galle, Malwana, Manikaddawara e Columbo. Criaram-se duas vilas fortificadas para os lascarins, em Peliyagoda e Muleriyawa. Extenderam-se ainda as missões, numa estratégia que acabaria por levar ao alienamento de largas partes da população cingalesa.

Em 1630, Noronha avançou com o grosso das forças portuguesas para o reino de Uva, nas montanhas a Sul de Kandy, acabando cercado e aniquilado no “desastre de Randeniwela”. Em consequência, Columbo sofreu um cerco de 16 meses por parte das tropas do rei de Kandy, que levou a um novo tratado de paz em 1633. Quebrando as pazes em 1638, o geral Diogo de Melo de Castro avançou novamente para as terras altas, sofrendo uma derrota total em Gannoruwa. No mesmo ano, a fortaleza de Batticaloa caía nas mãos dos holandeses, que conquistavam ainda Trincomali (1639), Galle e Negumbo (1640). Negumbo seria recuperada em 1641, mas as tréguas luso-holandesas desse ano complicaram o quadro, onde entre Columbo (portuguesa) e Galle (holandesa) as principais terras produtoras de canela quedavam sob propriedade incerta, levando a vários anos de negociações complexas pontuadas por campanhas militares. A quebra definitiva das tréguas em 1652 preludiou o fim da presença portuguesa na ilha. Em 1655, os holandeses, aliados ao rei de Kandy Rajasinha II (1635-87), cercaram Columbo, que caía em Maio de 1656. Mannar acabou por perder-se em Fevereiro de 1658, e Jaffna em Junho do mesmo ano.

É de notar que durante o período holandês (1658-1796) se produziram na Índia obras portuguesas de relevo sobre a história de Ceilão (Fernão de Queiroz, João Ribeiro). Ao mesmo tempo, reavivaram-se as missões católicas, na clandestinidade, com a entrada em Jaffna do Padre José Vaz, Oratoriano goês, em 1687. A quimera de um regresso das forças do Estado da Índia a Ceilão sobreviveu ao longo de todo o século XVIII, época em que o português crioulo se reforçou na ilha enquanto língua de comunidades cristãs consideradas luso-descendentes ou “portuguesas” (“Portuguese Burghers”), nomeadamente em Columbo, no litoral do Sudoeste da ilha, e em Batticaloa, onde hoje sobrevive. 


 ZOLTAN BIEDERMANN

Fonte:  http://eve.fcsh.unl.pt/content.php?printconceito=913

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