As influências da arte muçulmana na Notre-Dame




Poucos sabem que a arquitectura da catedral gótica de Notre Dame é em grande parte inspirada na arte muçulmana com que os cruzados se depararam no séc. XII. O que hoje chamamos de arco gótico, que pode ser visto na Notre-Dame e em todas as grandes catedrais da Europa, é uma evolução do arco ogival apontado, que encontramos, primeiro, na grande mesquita de Ibn Tulun, no Cairo. Christopher Wren, um dos mais aclamados arquitectos ingleses, dizia que, "em boa verdade, devíamos chamá-lo "arco sarraceno" e não gótico".

DIANE DARKE

Na passada segunda-feira, quando a Notre-Dame ardia perante os nossos olhos, era também espantoso notar quão poucos sabem que a arquitectura da catedral parisiense - um monumento icónico da história e identidade europeias -, as suas torres gémeas flanqueando uma entrada monumental, os seus vitrais em forma de rosa, a abóbada em cruzaria, a flecha que ruiu, foram grandemente inspiradas na arte muçulmana.

“Coração de amêndoa”

Comecemos pelas torres gémeas laterais. O mais antigo exemplo que encontramos de tais torres num edifício religioso encontra-se na Síria, na província de Idlib, numa igreja construída em pedra calcária no séc V d.C. Chama-se Qalb Lozeh, ou o Coração de Amêndoa, e é justamente lembrada como um dos edifícios melhores preservados na arquitectura síria - uma basílica magnífica, de amplos corredores, percursora da arte românica ocidental.

Muito tardiamente, apenas em 2011, foi declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, juntamente com cerca de 800 povoações bizantinas abandonadas, onde se incluem 2000 igrejas dos sécs IV a VI d.C, conhecidas como as Cidades Mortas. Pouco antes da guerra civil síria o governo de Damasco renomeou-as, chamando-as Cidades Esquecidas.

No interior, a igreja divide-se em três zonas distintas, com uma nave central, ecos da Trindade, que podemos ver por toda a parte na sua arquitectura - três corredores, três pilares em cada lado da nave, três janelas na fachada, três janelas na abside, três arcos dividindo a nave dos corredores laterais. Originalmente, a nave estaria encimada por um telhado em madeira, há muito desaparecido, mas a abóbada sobre a abside semi-circular ainda pode ser vista.

 (Igreja de Qalb Lozeh, 'Coração de Amêndoa', na Síria)

O arco gótico

Quando os cruzados francos se depararam com este tipo de arquitectura no Médio Oriente, no séc. XII, trouxeram-na para a Europa.

O que hoje chamamos de arco gótico, que pode ser visto na Notre-Dame e em todas as grandes catedrais da Europa, é uma evolução do arco ogival apontado, que encontramos, primeiro, na grande mesquita de Ibn Tulun, no Cairo, posteriormente introduzido na Europa pelos mercadores de Amalfi, na Sicília.

Com os seus avançados conhecimentos de geometria e das leis da estática, os muçulmanos desenvolveram o arco de ferradura - que encontramos, primeiro, na Mesquita Omíada de Damasco, e posteriormente introduzida pelos Omíadas na Andaluzia, onde o encontramos na Mesquita de Córdova - e o arco ogival apontado, que permitia uma maior altura que o arco tradicional.

Na Europa, o primeiro edifício a usar este tipo de arcos foi a Abadia de Monte Cassino, em 1071, financiada pelos mercadores de Amalfi. O estilo foi depois adoptado na construção da Abadia de Cluny, que possuía 150 arcos apontados nos corredores laterais.

 (Mesquita de Ibn Tulun, no Cairo. Foi finalizada em 897 d.C. e é uma das maiores e mais antigas mesquitas do mundo)

Modas muçulmanas

Destes dois edifícios, que eram duas das mais importantes igrejas da Europa, a moda rapidamente se espalhou pelo continente. Este arco apontado “gótico” era mais forte e robusto que o arco tradicional arredondado usado pelos romanos e pelos normandos, o que permitiu a construção de edifícios maiores, mais altos e mais complexos, como as novas grandes catedrais da Europa.

Outros elementos da arte muçulmana que encontramos na Notre-Dame incluem as abóbadas em cruzaria (que encontramos no palácio Abássida de Ukhaider, no Iraque, do séc. VIII), os vitrais em forma de rosa (as rosáceas, que apareceram primeiro no palácio omíada de Khirbat Mafjar, do séc VIII, em Jericó, na Cisjordânia) e a flecha (a torre que ruiu de forma tão espectacular na Notre-Dame, quando o telhado de madeira por debaixo ardeu).

A primeira flecha de que ouvimos falar na história é a da Mesquita Omíada de Damasco, construída no séc VIII.

Na Inglaterra, a primeira flecha construída situava-se no topo da Catedral de São Paulo, em 1221. Foi destruída no Grande Incêndio de Londres de 1666, e depois reconstruída em 1710 por Christopher Wren, um grande admirador da arquitectura muçulmana e que estudou profundamente as mesquitas mouras e otomanas.

Referindo-se ao que hoje conhecemos como Arco Gótico, Wren afirmou: “Em boa verdade, devíamos chamá-lo de Arco Sarraceno e não Gótico. Os Godos eram mais conhecidos por destruir do que construir alguma coisa”.

A combinação da cúpula com a torre na sua grande obra-prima, a catedral de São Paulo, aliada às cúpulas dos corredores laterais, mostra a poderosa influência muçulmana, muito visível, também, na catedral de Notre Dame.

Diana Darke é uma historiadora especializada no Medio Oriente

Fonte:  https://www.middleeasteye.net/opinion/heritage-notre-dame-less-european-people-think

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