A maldição de Santa Engrácia


 Panteao Nacional em Lisboa

A expressão “como as obras de Santa Engrácia” é utilizada, em Portugal, para referir-se a algo que não chegará a acontecer, ou que demorará muito a acontecer, e está ligada à construção do monumental edifício que é hoje o Panteão Nacional. Originalmente, o edifício, que demorou séculos a terminar, acolheria a igreja da Santa Engrácia, e reza uma lenda popular que estaria amaldiçoado por consequência de um amor impossível entre um cristão-novo (descendente de judeus) e uma dozela cujo amor lhe foi negado pela sua família.

O facto de ser o primeiro edifício em estilo barroco a ser construído em Portugal e certamente o último, dá à igreja de Santa Engrácia um certo protagonismo, ou não fosse a sua construção uma obra com mais de 350 anos. A igreja foi iniciada no ano de 1568, no local de um antigo templo de meados do séc. XII, por ordem de D. Maria de Portugal, filha de D. Manuel I, para receber o relicário de Santa Engrácia, tendo sido apenas concluída quatrocentos anos mais tarde, já no nos anos 60 do séc. XX, por ordem de Salazar, não já como igreja, mas como Panteão Nacional, onde repousam as figuras notáveis da História de Portugal, como Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, Sidónio Pais, Humberto Delgado e Amália Rodrigues.

A lenda conta que Violante, filha de um importante fidalgo, ter-se-ia perdido de amores por um cristão-novo, Simão Pires Solis. O pai da jovem, que não via com bons olhos o amor dos dois apaixonados, conseguiu encerrar a filha no convento de Santa Clara que se situava ao lado da igreja de Santa Engrácia, ainda em construção. Simão Solis não negou o seu amor por Violante e continuou a cavalgar todas as noites até ao convento para se encontrar com a sua amada. Certo dia, propôs a Violante que fugissem. Concedeu-lhe uma noite para se decidir, pois no dia seguinte viria buscá-la. Por coincidência, nessa noite, foi roubado o relicário de Santa Engrácia, tão cara à infanta D. Maria. No dia seguinte, Simão Solis foi preso e acusado de ser o autor do roubo, mesmo depois de se considerar inocente, não podendo revelar a razão pela qual rondava a igreja todas as noites, pois comprometeria a sua amada.

Devido a tal facto e agravado pela sua ascendência judaica, Simão Solis foi condenado à morte na fogueira. Diz-se que no momento da execução terá lançado uma maldição enquanto as labaredas envolviam o seu corpo: “É tão certo morrer inocente como as obras nunca mais acabarem!”.

Ainda, segundo a lenda, anos mais tarde, a noviça Violante terá sido chamada à presença de um moribundo quando este estava às portas da morte, pois queria confessar-lhe que tinha sido ele o ladrão do relicário de Santa Engrácia. Conhecedor da relação secreta de Simão Pires e Violante, tinha incriminado o jovem rapaz, que por ali era visto quase todas as noites, e queria agora pedir perdão à mulher que perdera o seu amor da maneira mais cruel e injusta que alguém poderia perder – mas o perdão foi aceite.

De facto, existem nos registos da paróquia referências ao “Desacato de Santa Engrácia”, ocorridos na noite de 15 de Janeiro de 1630, data em que um tal Simão Pires Solis teria sido condenado a morte.
Se a estória é total ou parcialmente verdade, não sabemos, mas isso também pouco interessa… a verdade é que, entre incêndios, terramotos e escassez de meios, a igreja de Santa Engrácia acabou por só ser concluída mais de 3 séculos depois, cumprindo assim, conforme “reza a história”, a profecia do injustiçado Simão Solis, que acabou por providenciar à língua portuguesa uma expressão muito conveniente.

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