Morte de americano chama a atenção para a “tribo mais isolada do mundo”



A morte do norte-americano John Allen Chau numa ilha no Mar Andamão habitada por uma tribo isolada chamou a atenção para esta comunidade, que é considerada por peritos a mais isolada do mundo.

Não se sabe quase nada sobre a Tribo Sentinela, nem sequer sobre a sua língua, apenas que é diferente das outras tribos do arquipélago. As autoridades da Índia, a quem pertence o arquipélago, só têm uma ideia vaga de quantos habitantes tem a ilha: serão entre 50 e 150 pessoas.

O contacto com a tribo é proibido, assim como qualquer viagem até à ilha, que terá sensivelmente a mesma área de Manhattan, em Nova Iorque: a razão é a vulnerabilidade dos membros da tribo a doenças que possam ser levadas por estranhos. O isolamento leva a que não tenham resistência a vírus como o da gripe ou sarampo.

A outra razão é que a tribo “já deixou muito claro que quer ser deixada em paz”, disse o director da Survival International, associação com sede em Londres que defende a protecção das tribos nas ilhas Andamão, Stephen Corry.
O americano terá conseguido estar na ilha algum tempo antes de, na última vez que lá foi, ter sido atacado com flechas e morto.

“Tal como muitas tribos isoladas classificadas como selvagens, a sua hostilidade a estranhos é facilmente compreensível, porque o mundo exterior trouxe sempre violência e desdém”, explica a associação numa nota sobre a tribo de 2004, quando o tsunami trouxe atenção para os habitantes da ilha, que apesar de serem duramente atingidos pelas ondas, sobreviveram.

Esta sobrevivência foi uma surpresa, e especula-se que com os Sentinela tenha acontecido o mesmo que com outra tribo numa ilha próxima: uma lenda antiga, passada de geração em geração, dizendo que quando as águas do mar recuam se deve ir para um bosque para protecção dos espíritos. O bosque era o ponto mais alto da ilha, e por isso os seus habitantes sobreviveram.

A jornalista da BBC Geeta Pandey conta que foi nesta altura que ouviu falar pela primeira vez da tribo Sentinela a propósito do tsunami quando, numa conferência de imprensa, as autoridades informaram que os membros da tribo tinham sobrevivido. Depois de um helicóptero voar sobre a ilha, sem conseguir ver ninguém, e se aproximar, foi atacado por flechas. “Assim ficámos a saber que estavam bem”, comentou o piloto.

Stephen Corry sublinha que “a ocupação britânica das Ilhas Andamão dizimou as tribos que lá viviam, apagando centenas de pessoas, e apenas uma pequena fracção sobrevive ainda. Por isso, o medo do exterior dos Sentinelas é muito compreensível”.

A tribo de caçadores-recolectores é muitas vezes descrita como vivendo “na idade da pedra”. Estima-se que esta população ocupe a ilha há 60 mil anos, mas isso não significa que ainda vivam como nessa altura, diz a Survival. “Na verdade, fazem ferramentas e armas de metal, que recuperam de navios naufragados e nas rochas.”

Não se sabe praticamente nada sobre a tribo, apenas que a língua é diferente das outras tribos nas ilhas perto – não se sabe sequer como se chamam a si próprios. A informação foi sempre recolhida de um ponto mais distante do que o alcance das suas flechas, já que qualquer aproximação é normalmente recebida com salvas de flechas.

As autoridades indianas tentaram, nos anos 1990, uma expedição de “contacto” com a tribo. Fizeram um vídeo à distância, que mostrava que os membros da tribo estavam saudáveis e alerta. Desde então, no entanto, a pressão de organizações como a Survival levou as autoridades a desistir deste contacto.
“Os habitantes da ilha estavam claramente muito saudáveis, alerta, e em boas condições, em contraste marcado com duas outras tribos que ‘beneficiaram’ da civilização Ocidental, os Onge e Grande Andamanese, cujos números diminuíram drasticamente e estão agora muito dependentes de ajudas do Estado para sobreviver”.

Ao reconhecer que “políticas de contacto foram desastrosas para outras tribos, e aceitando que estas tribos têm o direito de decidir por si mesmas como querem viver”, as autoridades mudaram a sua política, dizia a Survival em 2004.

No comunicado, Stephen Corry critica as autoridades indianas por, há poucos meses, terem levantado uma das restrições que “protegia a ilha da tribo Sentinela dos turistas estrangeiros”, e que existia “para segurança tanto da tribo como dos estrangeiros”.

“Não é impossível que os Sentinelas tenham acabado de ser infectados por agentes patogénicos contra os quais não têm qualquer imunidade, com o potencial de aniquilar toda a tribo”, comentou.
Os Sentinela são uma de vários tribos isoladas que ainda sobrevivem no mundo. Segundo a emissora britânica BBC, estima-se que existam cerca de 100: no Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Paraguai, Papua Nova Guiné e noutras ilhas do arquipélago indiano. A maioria é ameaçada, na América Latina sobretudo por madeireiros que levam a cabo abates ilegais, ou até traficantes de droga, que invadem o seu espaço.

Maria João Guimarães/Público [22/11/2018]

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