A verdadeira blasfémia no Paquistão
O
Paquistão precisa de amplas reformas judiciárias e sociais, a começar
por esta Lei da Blasfémia" introduzida no
sistema judiciário paquistanês na década de 80 pelo ditador militar
general Zia ul-Haq, como parte de sua iniciativa de islamização da
legislação do Paquistão. Ela estipula que "comentários depreciativos em
relação ao Santo Profeta, sejam orais ou escritos, por representação
visível ou por qualquer imputação, menção ou insinuação, direta ou
indireta, deverão ser punidos com a morte, ou prisão perpétua, e estarão
sujeitos a multa". Embora ninguém tenha sido executado de acordo com
esta lei, pelo menos dezenas de pessoas já foram mortas enquanto esperavam o
julgamento ou mesmo depois de inocentadas. As cláusulas referentes à blasfêmia foram
um importante componente da campanha de reformas sociais preparada e
implementada por Zia durante a invasão soviética do Afeganistão, nos
anos 80. O objetivo evidente era a islamização do Estado paquistanês,
mas também a adequação do seu sistema social e judiciário para fazer com
que os Mujahedin (o equivalente dos atuais talebans paquistaneses)
fossem vistos como combatentes nacionais em prol da liberdade.
Em junho de 2009, no estado do Punjab, no Paquistão, trabalhadores
rurais pediram a Asia Bibi, uma camponesa mãe de cinco filhos, que fosse
buscar água. Alguns deles, muçulmanos, recusaram-se a bebê-la, porque
Bibi é cristã e, portanto, considerada "impura".
Seguiu-se
uma discussão. Alguns dos presentes foram se queixar a um clérigo local
de que Bibi havia feito comentários depreciativos sobre o profeta
Maomé. Uma multidão invadiu a casa de Bibi, que foi atacada juntamente
com seus familiares.
A polícia então deu início a uma
investigação contra Bibi, e não contra os que a atacaram. Ela foi presa e
condenada por blasfêmia, conforme prevê o artigo 295C do código penal
do país. A mulher ficou mais de um ano na prisão. No dia 8 de novembro,
foi condenada à morte por enforcamento, condenação contra a qual está
recorrendo.
O
Paquistão precisa de amplas reformas judiciárias e sociais, a começar
por esta lei. Entretanto, depois do assassinato do governador do Punjab,
Salmaan Taseer, na segunda-feira passada, percebe-se que esta reforma
dificilmente acontecerá. Ao ser preso, o suposto assassino declarou não
ter remorso porque estava claramente "protegendo a religião de Alá".
Taseer era talvez a personalidade política mais corajosa e liberal do
Paquistão. Ele visitou Bibi na prisão e apoiou a campanha pela revogação
da lei sobre a blasfêmia.
O artigo 295C foi introduzido no
sistema judiciário paquistanês na década de 80 pelo ditador militar
general Zia ul-Haq, como parte de sua iniciativa de islamização da
legislação do Paquistão. Ele estipula que "comentários depreciativos em
relação ao Santo Profeta, sejam orais ou escritos, por representação
visível ou por qualquer imputação, menção ou insinuação, direta ou
indireta, deverão ser punidos com a morte, ou prisão perpétua, e estarão
sujeitos a multa".
Bibi não é a primeira pessoa a ser condenada à
morte por blasfêmia. Embora ninguém tenha sido executado de acordo com
esta lei, pelo menos 32 pessoas foram mortas enquanto esperavam o
julgamento ou mesmo depois de inocentadas. Em 2009, 40 casas e uma
igreja foram incendiadas por uma multidão de muçulmanos na cidade de
Gojra, no Punjab. Pelo menos sete cristãos foram queimados vivos. É por
isso que uma condenação ou mesmo acusação por esta lei, muitas vezes é
uma sentença de morte.
As cláusulas referentes à blasfêmia foram
um importante componente da campanha de reformas sociais preparada e
implementada por Zia durante a invasão soviética do Afeganistão, nos
anos 80. O objetivo evidente era a islamização do Estado paquistanês,
mas também a adequação do seu sistema social e judiciário para fazer com
que os Mujahedin (o equivalente dos atuais talebans paquistaneses)
fossem vistos como combatentes nacionais em prol da liberdade.
O
infame Decreto Hudood discriminatório, supostamente baseado no Alcorão,
entrou então em vigor. Sua finalidade era acusar de adultério mulheres
que haviam sido violentadas, caso não conseguissem encontrar quatro
piedosos muçulmanos que tivessem testemunhado a violência sexual.
Contrariando o regime democrático, Zia emendou ainda a Constituição a
fim de implementar a sharia, ou lei islâmica. O currículo escolar foi
modificado para dar-lhe um conteúdo mais islâmico; as apresentadoras da
televisão foram obrigadas a cobrir a cabeça quando no ar; e uma rigorosa
censura foi imposta à imprensa escrita e eletrônica para salvaguardar a
glória do Islã.
Mas o Paquistão não foi o único a ser afetado
negativamente por estas medidas. A campanha de islamização de Zia teve
uma grande influência na guerra e no terrorismo global dos dias de hoje,
por causa de suas mudanças sociais. Sua finalidade foi introduzir
deliberadamente o etnocentrismo e a intolerância na moral da sociedade
paquistanesa. Isto, por sua vez, contribuiu para a ascensão dos Taleban
na região, e particularmente dos Taleban paquistaneses.
Agora,
tornou-se praticamente aceita a ideia de que a guerra ao terrorismo,
tanto no plano global quanto no Paquistão, não poderá ser ganha apenas
em termos militares. Deter a Al-Qaeda é ainda importante, mas o taleban
tornou-se a prioridade máxima. Ele precisa ser isolado, e não apenas
geograficamente. Também é preciso privá-lo de toda autoridade moral e da
simpatia do povo, o que será difícil de conseguir enquanto vigorarem
leis como a da blasfêmia. A discriminação institucionalizada influi no
comportamento humano.
As reformas judiciária e social são
imperativas neste país, não apenas para salvar muitas pessoas, mas
também para encontrar soluções sustentáveis contra a crescente ameaça de
extremismo dentro e fora do Paquistão. E a comunidade internacional tem
todas as condições para exigir a mudança. Bibi precisa ser salva, e as
leis que perpetuam estas práticas bárbaras devem ser repudiadas.
* Saroop Ijaz é advogado e trabalha pela defesa dos direitos humanos em Lahore, no Paquistão
Los Angeles Times/Folha de São Paulo (10/01/2011)
Fonte: https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,a-verdadeira-blasfemia-no-paquistao-imp-,664057
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