O convento islâmico ('ribat') do Alto da Vigia
Em 2008, restos de um convento islâmico, ou "ribat", foram encontrados no litoral de Sintra, durante a escavação de vestígios de um santuário romano dedicado ao sol, à lua e ao oceano. A escavação revelou algumas inscrições romanas e permitiu recolher outros fragmentos em pedra - como aras romanas, monumentos votivos, em forma de altar, com inscrições em latim e em grego, agora conservados no museu da Câmara de Sintra. O "ribat" encontrado é o segundo descoberto no país, semelhante ao que foi escavado em Aljezur, há cerca de 15 anos. Este convento, com ocupação entre os séculos VIII e XII,
seria constituído por várias construções, uma delas com um mirhab, nicho
virado a Meca, para orientar as preces, idêntico ao oratório nas celas
dos eremitas cristãos. Na construção islâmica foram reutilizadas
lápides romanas, algumas inteiras, outras só parcialmente partidas, mas
no seu lugar foram colocadas réplicas em cor rosa. Do religioso guerreiro que liderava este
ribat nada se sabe, mas esta ocupação ocorreu durante um episódio
histórico importante, quando barcos vikings saquearam a costa de Sintra,
no século XII.
PÚBLICO/LUSA/MASMO
O relato de vestígios arqueológicos no Alto da Vigia remonta a 1505, quando foram encontradas lápides romanas durante a construção de uma torre de facho. "Esta foi a primeira descoberta arqueológica feita em Portugal, não há nenhuma anterior a esta data", explicou à Lusa Cardim Ribeiro, director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (MASMO).
O relato de vestígios arqueológicos no Alto da Vigia remonta a 1505, quando foram encontradas lápides romanas durante a construção de uma torre de facho. "Esta foi a primeira descoberta arqueológica feita em Portugal, não há nenhuma anterior a esta data", explicou à Lusa Cardim Ribeiro, director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (MASMO).
O achado das lápides levou o rei D. Manuel I, que passava o Verão no Paço Real de Sintra, a deslocar-se à Praia das Maçãs, então ainda sem areia, e que era "um braço de mar" navegável que entrava terra dentro para além de Colares. A tradução das inscrições romanas serviram para "marketing político" em honra do rei e do império português, mas manteve a referência verdadeira que eram dedicadas "ao sol eterno e à lua", contou o investigador.
Francisco d'Ollanda, discípulo de Miguel Ângelo, também desenhou num livro que ofereceu ao rei D. Sebastião, intitulado "Da fábrica que falece à cidade de Lisboa", o templo romano, com um círculo formado por cipos, dedicado ao sol e à lua. "O que Ollanda deve ter visto não era um templo, era uma estrutura arquitectónica", como uma base monumental circular, acredita o director do MASMO.
A exacta localização do templo perdeu-se e, apesar de fontes do século XVII orientarem o santuário com vista para a serra, só na década de 1970 se voltou a apontar para o Alto da Vigia. Após sondagens anteriores sem sucesso nas proximidades, os arqueólogos resolveram escavar à volta da torre do século XVI.
"Encontrámos vestígios do santuário romano, mas também restos de um ribat [convento] islâmico", revelou Cardim Ribeiro, notando que se trata do segundo ribat encontrado no país, idêntico ao descoberto há uma década em Aljezur. Este convento, com ocupação entre os séculos VIII e XII, será constituído por várias construções, uma delas com um mirhab, nicho virado a Meca, para orientar as preces, idêntico ao oratório nas celas dos eremitas cristãos.
Na construção islâmica foram reutilizadas lápides romanas, algumas inteiras, outras só parcialmente partidas, mas no seu lugar foram colocadas réplicas em cor rosa, com as originais preservadas no MASMO.
Do religioso guerreiro que liderava este ribat nada se sabe, mas esta ocupação ocorreu durante um episódio histórico importante, quando barcos vikings saquearam a costa de Sintra, no século XII. Os vestígios do santuário romano demonstram que a consagração ao sol e à lua também incluiu o oceano e que a sua fundação terá ocorrido um século antes do que se presumia, em inícios do império, por volta de 27 a.C.
A presença de restos de materiais de utilização quotidiana associados à ocupação islâmica é bastante residual. No entanto, foram recolhidos alguns fragmentos de cerâmica com cronologia do século XII, que assinalam provavelmente a fase final de ocupação. De salientar a grande quantidade de conchas, algumas ainda associadas a vestígios de fogueiras, indícios do aproveitamento dos recursos marinhos disponíveis no local.
Para além dos edifícios, foi também identificada uma área de necrópole com várias sepulturas, hoje sem qualquer vestígio de espólio arqueológico ou osteológico no interior e que, tudo leva a crer, estarão associadas à fase de ocupação islâmica do sítio.
As construções de período islâmico encontram-se em muitos casos bastante destruídas devido à remoção de elementos pétreos de grandes dimensões, dos quais muitas vezes apenas subsiste o negativo da forma conservado na argamassa do alicerce onde assentavam, ou apenas as pedras mais pequenas utilizadas como cunhas dentro das valas das fundações. Porém, alguns desses blocos de grandes dimensões ou de melhor qualidade no talhe ainda se conservavam nas paredes. É provável que a remoção daqueles elementos esteja relacionada com a construção da torre de facho nos inícios do século XVI, quando as estruturas islâmicas foram parcialmente utilizadas como “pedreira”.
"Não temos aqui um templo local, apesar de Olisipo ser um município importante, e Lisboa ter sido a única cidade da Lusitânia à qual foi conferido o direito romano, idêntico ao de Roma", frisou Cardim Ribeiro. O investigador do MASMO não tem dúvidas de que a importância desta descoberta transcende a realidade local, nacional e ibérica, sendo fundamental para "o estudo de todo o império romano".
As inscrições encontradas na vala são actualmente estudadas no MASMO, como o material de anteriores campanhas, com apoio de "uma equipa pluridisciplinar de investigadores em muitas áreas". Os especialistas repartem-se por áreas como numismática, epigrafia e antropologia, e o projecto recorre ainda ao laboratório Hércules, da Universidade de Évora, e tem apoio directo da Câmara de Sintra.
A importância do santuário na época romana está reflectida no facto dos votos conhecidos até agora, expressos pela saúde do imperador e eternidade do Império, serem colocados não por devotos particulares, nem sequer pelas elites locais ou provinciais, mas apenas por detentores de altos cargos imperiais, nomeadamente governadores da Lusitânia ou legados do Imperador, embora por vezes através do senado de Olisipo, município em cujo território se localizava este santuário.
Nas escavações foi desde já recuperada uma nova inscrição que atesta a importância do local, sendo dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família. Para além daquela ara e de uma inscrição funerária da época de Augusto - ou seja, anterior ao próprio santuário - foram recolhidos outros elementos arquitectónicos romanos com alguma monumentalidade, nomeadamente uma imposta moldurada, fragmentos de coluna, de ara e grandes blocos de construção.
Adaptado do Público, Lusa e da página do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas
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