A nudez nunca foi um pecado no Islão - Farhat Othman

Sabiam que os árabes da época pré-islâmica, e mesmo nos primeiros anos do advento do Islão, faziam a peregrinação a Meca nus? “Foi nus que viemos ao mundo, e é assim que regressaremos para junto de ti, Alá”, cantavam junto da Cába, num ritual com milénios, em que dançavam e faziam oferendas, não só a Alá, mas a outros deuses/ídolos que se encontravam no recinto. Normalmente, os participantes despojavam-se de todos os seus bens durante dias e vinham nus de localidades remotas da Arábia, sobrevivendo apenas da caridade alheia

“Os árabes não se envergonhavam da nudez, e ela fazia parte dos seus rituais religiosos, tal como acontecia noutros cultos do mundo antigo”, escreve o jurista e antigo diplomata tunisino Farhat Othman. “No Islão, a nudez nunca foi um pecado. Foi a tradição islâmica de Medina, fortemente influenciada pelo judaísmo, que a dada altura a proibiu nos seus rituais. O primeiro “hajj” (peregrinação) que se seguiu à conquista de Meca ainda decorreu assim, na presença do futuro califa Abu Bakr, tal como com o quarto califa, Ali, que estabeleceu as novas normas para a peregrinação seguinte”, refere Othman, citando fontes islâmicas. (Ver "L'épreuve du maillot de bain sur nos plages", http://michelpeyret.canalblog.com/archives/2017/08/21/35603688.html)
“Foi sob influência do “Islão de Medina”, cujas regras foram inventadas por jurisconsultos que não eram árabes, e em muitos casos tinham origens judaicas, impregnados que estavam pelo inconsciente e imaginário bíblicos, que o Islão se tornou pudibundo, como demonstrou Ibn Khaldun. Assim, as regras corânicas, que eram libertárias em relação ao corpo humano, foram reinterpretadas por estes jurisconsultos, que inventaram normas que nunca existiram no Islão original”.

Não havia nada de sagrado nessas novas normas, defende Othman, totalmente concebidas por seres humanos, que impuseram, a dada altura, a proibição de qualquer nudez entre os árabes, e introduziram, pela primeira vez, a obrigatoriedade de a mulher se cobrir, “um preceito que não era islâmico, mas bíblico”. “Há que dizê-lo de forma muito clara: tais regras foram inventadas por homens fracos, que não conseguiam controlar a sua líbido, e as legitimaram, num ambiente autoritário, atribuindo-lhe uma inspiração religiosa”.

As diferentes sociedades islâmicas, em séculos seguintes, nunca seguiram essas regras à letra, sendo sempre muito pragmáticas na sua aplicação. Nesse aspecto, os povos do Magrebe (Norte de África) e do Andalus sempre foram muito mais liberais que os do Médio Oriente, desde a Idade Média até muito recentemente, argumenta Othman, para quem o conservadorismo actual que grassa pelo mundo muçulmano é completamente infundado.

O ritual do Hajj pré-islâmico, um tanto romantizado por Othman, é bem descrito neste artigo de um religioso no Arab News, que, naturalmente, o considera pagão e pouco edificante - "Hajj in pre-Islamic times", http://www.arabnews.com/news/465223

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