Aga Khan: “Esta é uma religião que pensa”

É um dos homens mais ricos do mundo e está prestes a viver em Portugal. Tem uma vida de entrega à comunidade, que o segue como imã e nunca deixou de analisar o mundo em prol dos seus fiéis. A religião é para ele premissa de paz, mas também de bem-estar, de sabedoria e de desenvolvimento económico. Descende do profeta Maomé e é o líder espiritual de 15 milhões de fiéis muçulmanos, dez mil dos quais vivem em Portugal. Tem tentado transformar o mundo à sua maneira e à do Islão. Está prestes a viver em Lisboa. É o príncipe Karim Aga Khan IV. Mas chamam-lhe sua alteza. O título foi-lhe atribuído por Isabel II, a rainha de Inglaterra, logo depois de, aos 20 anos, assumir o cargo de imã, o 49º imã dos xiitas ismaelitas. Há uma semana festejou na capital do nosso país o seu Jubileu de Diamante, 60 anos à frente da comunidade, que considera ser a sua grande fonte de felicidade. Elegeu a educação, a saúde e o desenvolvimento económico como os seus principais alvos de atua­ção e tem levado o seu poder congregatório a todo o mundo. A Lisboa trouxe consigo quase 50 mil pessoas com quem celebrou os festejos. Antes, numa manhã soalheira, falou com o Expresso sobre o início do seu mandato e o presente, sobre religião e política, sobre a comunidade e sobre ele próprio num refúgio singular, onde com a afabilidade que lhe é sempre reconhecida nos deixou conversar à boleia de uma brisa quente. Foi uma conversa longa e densa, feita por um homem inteligente que é simultaneamente um líder do espírito e da mente, um pensador e um verdadeiro senhor do século XXI.

Alexandra Carita (TEXTO) e Tiago Miranda (FOTOGRAFIAS) - EXPRESSO

Era muito novo quando recebeu o título de Imã do povo ismaelita. Que tipo de preocupações tinha nessa altura e que tipo de preocupações tem agora?

Bom, para ir lá atrás até esse momento, é preciso colocarmo-nos naquela que foi uma ocasião muito stressante a nível global. Havia duas coisas a acontecer ao mesmo tempo, em simultâneo. Uma era a descolonização e a outra a Guerra Fria. Estes dois fenómenos estavam a acontecer mais ou menos ao mesmo tempo, por isso havia uma sobreposição de inquietações. Grande parte desse mundo era e é onde a minha comunidade vive e vivia. Era uma situação de transição entre o estatuto colonial e a liberdade, mas liberdade no seio da Guerra Fria. Portanto, aquele era um tempo extremamente sensível para tentar e ter a certeza que a comunidade ismaelita mantinha os valores certos numa época de transformações. Que esses valores eram valores do movimento independentista, porque queríamos que a nossa comunidade fosse vista como uma comunidade de cidadãos desses países, e por isso mesmo capazes de participar na vida nacional, incluindo a vida política.

Que trabalho lhe exigia tudo isso?

Um planeamento cuidadoso feito num tempo que pedia para analisarmos as tendências e os caminhos que iriam fazer-se e saber onde eles, os membros desta comunidade, iriam ficar, ou se iriam ser, como se diz em francês, passager [viajantes]... Iriam eles partir e não ficar nos seus países de origem? Era um tempo de observância, um tempo para falar com o máximo de pessoas possível para perceber quais eram os seus objetivos dentro da situação nacional em que se encontravam. Atravessei esses períodos, principalmente os anos 60, sem pensar noutro trauma maior. Havia países que optaram por aquilo a que posso chamar Bloco de Leste, e houve países que mantiveram a sua independência vis a vis à política internacional global e quiseram ter e criar a sua própria direção, e nós adaptámo-nos a estas situações de acordo com o que era possível alcançar. E tivemos sorte. Fomos bem aceites como uma comunidade que tem as suas próprias instituições. Quisemos continuar a construir essas instituições nas áreas da educação, na medicina e cuidados de saúde, no desenvolvimento económico. Houve um tempo em que as situações coloniais mais complicadas eram muitas, principalmente nas colónias britânicas, em que a comunidade foi encorajada a manter as suas próprias instituições. Depois da independência, o movimento dessas instituições foi ao encontro de nacionalismos em vez de ir ao encontro da comunidade. Por isso, muitas das nossas instituições extravasaram o contexto comunitário e aproximaram-se mais do contexto nacional. E é aí que estamos hoje.

O que é que este Jubileu de Diamante significa para si?

É uma ocasião importante. Estabelecemos objetivos que queremos atingir e várias coisas que gostávamos de poder ver crescer, sobretudo em países como o Tajiquistão, que só há bem pouco tempo passou a fazer parte da nossa área de ação. Estamos a trabalhar em países onde, na verdade, não temos as estruturas que já temos noutras partes do mundo. Por exemplo, temos estruturas muito mais fortes na África Oriental porque já lá estamos a trabalhar há muito tempo. Ainda nos falta criar essas mesmas estruturas no Tajiquistão ou no Quirguistão ou outros países nessa zona. Portanto, vamos ter que construir essas instituições. Penso que o que vamos fazer é tentar investir em ações que nos ajudam a construir o futuro. Construir o futuro é importante. E nós fazemo-lo através de instituições fortes e sólidas nos campos da educação, cuidados de saúde e no desenvolvimento económico. E não são instituições para a comunidade, repito. São instituições que funcionam a nível internacional. Talvez tenham começado como instituições comunitárias mas cresceram. Tentámos sempre que crescessem nesse sentido ou pelo menos a nível regional. Por exemplo, estamos a lidar com o ensino superior a um nível regional, não numa base nacional.

Uma das suas grandes preocupações foi sempre a educação. Porque é tão importante para si?

Penso que muitos destes países precisam de criar e aumentar todos os níveis de educação, para que ela se torne um património ou recurso nacional e não só local. E acredito piamente numa relação público-privada no que respeita a esta matéria. Muitos dos países que você conhece, que eu conheço, que hoje são países industrializados e de grande sucesso, têm um pluralismo no campo da saúde e no sector da educação. E considero que esse é o caminho que devemos percorrer. Não acho que o Estado possa ou deva ser tudo para toda a gente continuamente. Penso que o sector privado tem que, vamos dizer, estar envolvido, comprometido. Há campos onde o sector privado comanda, lidera, tantas vezes na investigação, por exemplo. Esse é um domínio mais do sector privado do que do sector público nos países onde estamos há anos a trabalhar. Portanto, se queremos que a sociedade se envolva e se desenvolva, temos que mobilizar o sector privado e não apenas o sector público. Sabe, onde tem havido um esforço para mobilizar apenas o sector público — e penso que muitos de nós diríamos o mesmo, que é uma evidência — essa mobilização falhou. Pelo menos este é o meu ponto de vista a partir da experiência que tenho tido. E, acho que os dois sectores podem viver juntos, não têm que ser inimigos. De facto, é muito melhor quando vivem juntos.

Voltando ao Jubileu de Diamante. Como é que gostava que este ano fosse lembrado pela comunidade ismaelita e pelo mundo?

Bem, penso que é um daqueles casos em que temos um prazo para trabalharmos e para conseguirmos completar certas iniciativas, e um tempo em que gostaríamos de iniciar outras tantas. Por isso mesmo, vejo o Jubileu de Diamante como uma oportunidade para acelerar a mudança social e económica. E é isso que gostava de tentar fazer e conseguir alcançar em conjunto com os líderes da comunidade ismaelita, mas, obviamente, eles têm que estar na liderança do pensamento e reflexão sobre estas matérias.

Sei que não é uma pergunta fácil, mas queria que me explicasse qual é o papel da religião no mundo de hoje.

Começo por dizer-lhe que todas as sociedades civilizadas precisam de ter um fundamento ético. De outro modo, a sociedade civil não pode funcionar de forma séria e planeada. Se a sociedade civil quiser ser uma força maior a nível nacional, esse é o modo como vejo que o mundo desenvolvido a aceitará. E então a sociedade civil precisa de se ancorar num conjunto de premissas éticas. Penso que essas premissas éticas estão muitas vezes ancoradas na fé, na religião. Portanto, acho que essa é a relação que eu faria e a qual considero ser mesmo muito, muito importante. No entanto, no que toca a este tema, obviamente que estamos interessados em países que tenham atitudes pluralistas em relação à fé, em relação à sociedade, etc. E Portugal tem-nas. Estamos muito, muito honrados e agradecidos por ter sido possível sediar as nossas instituições religiosas em Portugal, as quais, de facto, têm um objetivo global, porque isso é o que a lei portuguesa permite e encoraja. Além disso, vamos continuar a usar a sociedade civil portuguesa para sermos capazes de desenvolver as nossas instituições no mundo desenvolvido.

O Imamato vai trabalhar em Portugal?

Isto não quer dizer que não trabalhemos também noutros países. Vamos fazê-lo. Até porque a nossa comunidade é uma comunidade muito pluralista. Não está baseada numa parte do mundo, nem em nenhuma língua, nem em nada parecido. Temos que ser o mais flexíveis possível para ir ao encontro das necessidades seja onde for que elas estejam. E como qualquer comunidade que é global, não podemos lidar com todas estas matérias ao mesmo tempo. Temos que escolher prioridades, temos que tentar responder às necessidades que aconteçam. Mas isso está essencialmente ancorado na capacidade institucio­nal, não na capacidade individual. Estamos à procura, por exemplo, do papel do ensino superior. E onde existe esse ensino superior, será que ele é satisfatório? Onde é que é preciso investimento? Onde é que é preciso pensar de forma mais alargada na terminologia geográfica, porque frequentemente o ensino superior está limitado a uma área geográfica? Estamos a tentar fazer com que a globalização nas nossas instituições seja uma realidade para podermos servir as comunidades onde quer que elas estejam. Mas é um processo. Nunca alcançamos um resultado pleno. Isso não é realista.

E quanto aos princípios da religião ismaelita. Como é que eles se alinham face a outros princípios islâmicos em geral?

Eu diria que muito bem. Não temos questões dessa natureza. Somos muçulmanos xiitas e por isso a comunidade tem um Imã, cuja nomeação é hereditária. Mas falando em termos gerais, acho que somos vistos como um bem na maioria dos países onde vivemos. E somos encorajados a estender as nossas instituições, para transformarmos instituições comunitárias em instituições de cariz nacional. Temos feito isso com as nossas instituições económicas, educacionais e de cuidados de saúde. Essas instituições devem ter começado nos anos 50 como instituições comunitárias, como já referi. E se pensarmos nas décadas de 50 e de 60, nas colónias britânicas, por exemplo, lembrar-nos-emos que foram encorajadas para que cada comunidade criasse a sua instituição. Isso hoje está completamente esquecido, não existe. Hoje em dia, os objetivos são os de criar instituições nacio­nais para servirem toda a gente. Isso implicou alterar a dinâmica e a escala do que estávamos a fazer. E isso significa reposicionar as institui­ções para que tenham uma posição lógica no futuro de cada país. E temos tentado estar no que poderei chamar o campo da alta tecnologia aplicada a cada área a que nos dedicamos.

Quer dar-nos um exemplo?

Por exemplo, em medicina, estamos interessados nos cuidados terciários. Não somos uma organização de serviço público que possa prestar primeiros socorros em todo o país. Isso não é o nosso papel. É por isso que nos concentramos no serviço terciário. Dentro desse campo há prioridades? Sim, há prioridades. Cardiologia e oncologia. Somos especialistas em cardiologia e em oncologia porque pensamos que esse é o papel das nossas instituições de saúde. E estamos a investir na investigação, estamos a investir em partenariados com instituições fora do mundo ocidental, porque pensamos que elas nos podem trazer novos conhecimentos. E a elas damos em troca a investigação que não têm. É por isso que estão muito contentes por trabalharem connosco nas nossas instituições, podem investigar aquilo que não conseguem fazer nos seus países de origem. Estamos a expandir as nossas relações globais de forma muito sólida nos domínios técnicos. Algumas das nossas instituições financeiras cresceram e são hoje nacionais. O Habib Bank, por exemplo, no Paquistão, será hoje, penso, considerado o banco mais importante do país. A seguradora Jubilee será uma das companhias de seguros de topo no país. Portanto, entre 1957 e hoje as nossas instituições têm vindo a tornar-se instituições de carácter nacio­nal ou regional, que é o posicio­namento certo. A ideia de que pequenas comunidades podem desenvolver capacidades institucionais não é francamente realista.

É esse o dever da religião?

Acho que é muito mais do que isso. E não é só a religião. É aquilo que representa as necessidades nacionais. Se tiverem capacidade ou se tiverem os meios para desenvolver essa capacidade, penso que é o dever de uma instituição nacional agarrar as oportunidades e desenvolvê-las, se tiver os recursos para isso, a vontade para isso e a competência para isso. E nós medimos o nosso desempenho tendo em conta os standards globais tanto na saúde como na educação ou na economia. Estamos a avaliar-nos continuamente. E o objetivo é ter mais prática, mais capacidade de fazer. É levar para cada comunidade, cada país, cada região, a melhor prática, seja no que for que estejamos a fazer.

Dedicou a sua vida a tentar acabar com a pobreza e com a desigualdade. O que pensa sobre a tensões políticas e sociais que estamos a viver? Falo das migrações, das armas nucleares, da violência, do ambiente, do desemprego...

Começo pela premissa de que a sociedade não se pode desenvolver se não viver em paz. E acho que a paz é a premissa primeira para todos nós. Mas, ou se está num país onde há conflitos internos, ou se está onde há um conflito regional. E isso, na minha opinião, é o fim do desenvolvimento. Daí que a premissa número um seja o consenso sobre os objetivos nacionais. O que são os objetivos nacionais? Será que são consensuais? Será que são igualitários e justos? Será que temos os recursos certos para os fazermos funcionar? Olho para a sociedade como um conjunto de capacidades que precisam de ser desenvolvidas em conjunto para que se tenha uma soma maior do que apenas a adição de números pequenos. E penso que estamos a começar a ver isso. Volto aos anos 50 e 60, quando ainda havia aquilo a que chamo uma herança colonial. Aquela forma de aproximação a um consenso nacional não era muito forte. Muitas das colónias foram desenvolvidas através da divisão das pessoas em vez de o terem sido através da sua união em torno de um objetivo comum. Tudo o que penso já não existe hoje. Não se esqueça que nessas décadas tivemos uma situação extraordinária porque o processo de descolonização aconteceu em simultâneo com a Guerra Fria. E a Guerra Fria era muito, muito agressiva. Os movimentos independentistas, as políticas nacionais eram vistos não só à luz dos problemas nacionais como também face à Guerra Fria. Isso já não existe. Por isso, entre esse tempo e os nossos dias, uma grande fonte de tensão desapareceu. Isso mudou as dinâmicas do mundo. Se pensarmos na situação da África nessa altura, ela reflete necessariamente os efeitos dessa Guerra. Os regimes e os líderes políticos tinham que escolher entre o Ocidente e o Leste, se quisermos. Hoje já não têm que o fazer. Esses movimentos estão hoje relacionados com as suas próprias dinâmicas. Penso que hoje a noção de performance ou de desempenho é provavelmente o maior impulsionador do pensamento político. Que regimes desempenham bem e desenvolvem a sua capacidade para lidar com as populações e tê-las debaixo de controlo? É muito interessante perceber como tudo mudou.

Gostava que falasse agora um pouco sobre Portugal.

Com certeza.

O que é que a sede do Imamato vem trazer a Portugal?

Tem que perguntar aos portugueses. Eu não consigo responder a essa pergunta!

Também gostava de lhe perguntar o que é que os portugueses podem esperar ao terem a sede do Imamato ismaelita em Lisboa?

Bem... o contexto é entre a relação entre as instituições religiosas e a governação moderna. Este é o verdadeiro contexto. Um contexto em que as instituições religiosas são melhoradas naquilo que fazem, ou seja, precisam de ter um ambiente seguro que lhes permita conseguirem funcionar. Este tipo de instituições, como as institui­ções humanitárias, tomaram para si determinados objetivos, desenvolveram as suas capacidades de sociedade civil. E é muito importante que as leis dos países permitam que as instituições religiosas se desenvolvam com sucesso, isto, até pelo interesse nacional. E Portugal é o país ideal para essa relação e tem sido extremamente atencioso para mim como imã. Acho que o país tem sido muito inteligente, naquilo que diz respeito à construção de pontes para que as religiões funcionem bem e sempre com um resultado que é do interesse nacional. Quando surgem problemas, e não estão aqui, mas eles surgem noutros países, é quando as institui­ções religiosas e os objetivos nacionais não são compatíveis. É quando nos metemos em problemas. Porém, Portugal tem sido muito inteligente a trabalhar com instituições religio­sas. Nós não somos a única religião com a qual o Governo trabalha. Há um precedente nacional muito, muito forte para que essa relação funcione. Como uma religião, estamos a trabalhar no domínio que já está muitíssimo bem posicionado para que os dois lados trabalhem em conjunto e como deve ser. Estamos muito agradecidos e honrados com isso.

O Governo português deu-lhe muitos privilégios?

Não lhes chamaria privilégios. O que o Governo fez foi olhar para esta relação entre a religião e a governação. Os portugueses começaram a fazer isso com a Concordata assinada com o Vaticano. Esse foi o primeiro domínio com o qual trabalharam, e trabalharam muito bem. Por isso, a experiência da Concordata foi o trampolim para a nossa relação e tem sido uma relação muito, muito feliz. Nós beneficiámos enquanto religião com esse precedente chamado Concordata. A Concordata foi um passo muito importante na formação do vosso país em termos políticos e foi alargada a nós pelo Governo. Portugal está a lidar com problemas difíceis de uma forma muito eficiente. Os portugueses são fortes nas suas convicções, é a opinião geral quando falo com os meus amigos e comparamos o que está a acontecer em várias partes do mundo. Portugal fez escolhas muito importantes na história moderna, decisões corajosas. É por isso um país que todos admiramos.

E não vamos ganhar nada com o estabelecimento do Imamato aqui?

Ah, sim! Vamos criar várias instituições aqui mas com objetivos a nível internacional. Mas vamos continuar a relacionar-nos numa grande base de amizade. Haverá ajudas como as haverá também para países como Moçambique e para países de expressão portuguesa. Será uma relação de muito apoio. E espero podermos vir a partilhar os interesses de Portugal, não só aqui mas também lá fora. Temos um conjunto de interesses comuns.

E vai mudar-se para cá?

Não sei. Mas sei que virei com muito mais frequência. Ainda estou a pensar se me mudo ou não. Vão ver-me mais vezes, disso tenho a certeza.

Alguma vez pensou como poderia ter sido a sua vida se não tivesse sido imã aos 20 anos?

Provavelmente, teria sido um académico medíocre!

Tem tempo para aproveitar a vida, para tratar dos seus próprios negócios, ou não?

A verdade é que represento uma instituição e essa instituição não vai e vem. Está lá o tempo todo e a minha alegria é trabalhar dentro dessa instituição. É daí que vem a minha felicidade. Sou muito, muito privilegiado porque não fui eu quem escolheu ser o 49º imã. O meu avô fez essa escolha em 1955, ou por aí, e eu não estava a par dela. Penso que cada indivíduo que tem a possibilidade de contribuir para a qualidade de vida é um indivíduo feliz. Tem um propósito, percebe? Acho que o pior dos desastres é ter uma vida sem propósito. Penso que é uma ideia horrível.

Qual foi o momento mais importante da sua vida enquanto líder religioso e enquanto homem?

Penso que foi quando tomei conhecimento dos desejos do meu avô, quando ele morreu. Isto porque as suas decisões mudaram obviamente a minha vida. Estava na Universidade nessa altura. Estava em Harvard. E tive que tratar de encontrar uma nova orientação académica, pois tive que terminar os meus estudos mais depressa do que o teria feito noutra situação. Era um estudante ainda sem graduação mas com um assistente pessoal e duas secretárias, o que era inédito! Aconteceram uma data de coisas singulares. Mas deu certo. E sabe? Não mandei a minha secretária tirar notas nas aulas da faculdade!

Arrepende-se de alguma coisa na vida?

Não, não penso... Sabe, não é a forma como penso.

É uma pessoa muito positiva.

Não penso nesses termos. A resposta é não.

Pode contar-me como é o seu dia a dia?

É essencialmente a vida da instituição e o que a instituição requer, as suas manifestações e se essas manifestações são o que devem ser, ou se deveríamos estar a fazer coisas diferentes daquelas que fazemos. Já fizemos muito trabalho no campo da história, porque queremos ter a certeza que compreendemos a evolução do pensamento ismaelita no passado. É uma religião do cérebro e é uma religião da mente. Não é só uma religião da alma. É uma religião que pensa. E, por isso, queremos tentar ter a certeza de que as filosofias do passado estão bem compreendidas e podem ter espaço adequado na vida moderna. Há todo um contexto por se tratar de uma religião histórica. Temos uma acumulação de história que é muito importante, e extremamente pluralista. Formou-se a partir de vários pontos do mundo e de diferentes línguas. E, hoje, todas estas comunidades estão, em determinado sentido, a juntarem-se numa só luz, com diversos credos, e esses credos estão a preencher lacunas nestes países onde as falhas não estão preenchidas a nível económico, a nível educacional, em termos do desenvolvimento da criança nos primeiros anos, por exemplo.

Em termos de desenvolvimento da criança!?

Sim, essa é uma área que se expandiu enormemente na última década de forma massiva. O que sabemos hoje sobre o desenvolvimento prematuro da criança [Early Childwood Development — ECD] é totalmente diferente do que conhecíamos há 20 anos. Por isso, as nossas prioridades também tiveram que mudar. O ECD, por exemplo, é agora uma das nossas maiores prioridades. E o que estamos à procura é de termos a certeza que cada criança ismaelita tenha oportunidade e acesso aos programas de ECD. Isso vai levar tempo. Vai precisar de recursos. No entanto, é um objetivo racional baseado na boa qualidade da ciência. Há algumas décadas podíamos estar a falar da necessidade do ensino superior, da Universidade, das pós-graduações e em todo esse tipo de coisas. Hoje, estamos completamente focados no ECD. Porque se tornou a base reconhecida de uma sociedade educada. Sabe, é que aprendemos com os outros.

Alguma vez pensa no seu herdeiro?

Não! Não. A resposta honesta é obviamente que penso, mas não quero falar sobre isso!

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Fonte:  https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2386/html/revista-e/-e/aga-khan-esta-e-uma-religiao-que-pensa

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