Quem é Aga Khan e porque escolheu Portugal?

O Príncipe Aga Khan IV tem agendada uma visita de 6 dias - de 5 a 11 de julho - a Portugal, para marcar as celebrações do Jubileu de Diamante enquanto Imam dos Xiitas Ismailis, e terá encontros com o Governo português. São esperados cerca de 55 mil Ismailis nas celebrações.



É um príncipe e convive com a realeza internacional. É recebido como chefe de estado sem Estado. Detém dois títulos seculares - o de Sua Alteza e o de Aga Khan - atribuídos pelas monarquias britânica e dinastia Qajar. É descendente direto do Profeta Muhammad (Maomé) e graceja quando se o compara a um dos homens mais ricos do mundo.

Diz que a obra que tem desenvolvido não é nem caridade nem filantropia. Líder religioso de mais de 15 milhões de muçulmanos Ismailis, é também fundador e Presidente da Rede para o Desenvolvimento Aga Khan, da qual faz parte a conhecida Fundação, entre outras agências para o desenvolvimento económico, social, científico e cultural no mundo, incluindo Portugal.

Na entrevista singular que concedeu à imprensa portuguesa , aquando da celebração do seu Jubileu de Ouro, fez questão de deixar muito clara a sua posição: faz parte do islão fundacional, disse, tanto sunita como shiita, que um Imam assuma a sua responsabilidade em primeiro lugar, na segurança dos povos, e depois, na melhoria da qualidade de vida das populações em geral, principalmente onde a pobreza é crítica.

É responsabilidade de um Imam que conduza a sua liderança com base no princípio ético islâmico de "ajudar as pessoas a ajudarem-se a si próprias". O objetivo do seu Imamato será sempre o de contribuir para que as populações se tornem independentes e mestres dos seus próprios destinos. Defende que ao contrário das tradições judaico-cristãs, um Imam ensina o crente a não dividir ou separar a fé dos assuntos do mundo. Para o Aga Khan, a fé deve ser vivida todos os dias, em todos os momentos, e não pode consistir apenas em "entradas ocasionais", em situações como batizados, casamentos ou funerais. Contudo, sendo tradições religiosas diferentes, não devem ser entendidas como conflituais.

Questionado sobre o diálogo inter-religioso, o príncipe argumentou que não vê nestes valor acrescentado. Para ele, os diálogos não são suficientemente inclusivos, pois se por um lado, ficam de fora os descrentes, por outro, até mesmo os crentes podem ter circunstancias de vida em que perdem a fé. E depois, disse, há sempre o perigo do proselitismo religioso. Ou seja, quando se impõe a ética que representa uma fé apenas, ficam de fora todos os descrentes que acreditam igualmente numa sociedade ética. Assim, a haver diálogo, esse terá de passar pela construção de uma sociedade onde a ética seja global, e essa só pode ser uma "ética da qualidade de vida", uma "ética cosmopolita".

A questão que ocupa as mentes de ismailis e não ismailis é esta: porque escolheu Sua Alteza o Príncipe Aga Khan IV Portugal para sede de estabelecimento do Imamato Ismaili Muçulmano, quando poderia ter escolhido o Canadá - um país maior, e mais rico, também pluralista, e onde estabeleceu outras importantes instituições?

Como pode um país pequeno, com uma comunidade ismaili também reduzida, ser escolhido para, depois de aproximadamente mil anos desde a dinastia Fatimida, estabelecer um Imamato que projete esta "ética cosmopolita"? Embora não se referisse em concreto ao estabelecimento da sede do Imamato em Portugal - algo que era completamente desconhecido para a maioria dos crentes e não crentes ,- o príncipe apontou, na referida entrevista, quatro razões determinantes para esta escolha.
Em primeiro lugar, Portugal é um país onde se pode observar uma "construção social em funcionamento" ao invés de uma "construção social disfuncional".

Em segundo lugar, sendo um país laico e secular, existe em Portugal uma vontade política de reconhecer as estruturas de fé, e de lhes dar um papel importante para o seu desenvolvimento - algo que não acontece noutros países laicos e seculares.

Em terceiro, Portugal tem uma história de pluralismo que é única; e mesmo que os próprios Portugueses desconheçam este facto, só se pode entender o pluralismo quando já se esteve exposto a ele. E "a verdade é que foram séculos de pluralismo e de aceitação da diferença!". Provavelmente, este desconhecimento resultará de uma historiografia que negligenciou o pluralismo que existiu ao longo de 700 anos de história portuguesa, onde judeus, cristãos, muçulmanos e até não crentes trabalharam e governaram a partir de modelos políticos e culturais pluralistas.

Sua Alteza viu neste fator importante a possibilidade de trabalhar com Portugal as lacunas do entendimento e do conhecimento entre a Europa e o Mundo Islâmico; não apenas no que falta conhecer aqui dentro, mas também, no desconhecimento mútuo que existe fora deste país. Finalmente, reconheceu em Portugal uma sociedade civil forte, massiva e atuante. Num mundo em que se assiste a enormes fragilidades governativas, tanto em África como na Ásia, e que na sua opinião, poderão durar décadas, será fundamental que Portugal consiga, através desta parceria entre o governo português e o Imamato, criar as condições para ajudar outras sociedades em desenvolvimento a reforçar a sua própria sociedade civil.

Mas poderá uma minoria como a portuguesa fazer alguma diferença? Aga Khan responde a esta questão convicto de que nunca subestimemos o poder das minorias. Para este líder religioso, é precisamente nos mais pequenos que muitas vezes reside a maior responsabilidade de mudar a realidade; e, nesse sentido, Portugal pode ser não apenas um exemplo a seguir, mas efetivamente, um 'case-study' para o resto do mundo.

*Investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL

Fonte:  https://www.tsf.pt/opiniao/interior/quem-e-aga-khan-e-porque-vem-a-portugal-9487512.html

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