À conversa com Mohamed Abed, Vice-Presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa
No âmbito do 50.º aniversário da
CIL, o Portugal Post conversou com Mohamed Abed, vice-presidente da CIL,
que nos recebeu na biblioteca da Mesquita de Lisboa.
Fomos saber como se integra a CIL, e os muçulmanos, na sociedade
portuguesa, quais são os laços que estabelece com a sociedade
maioritária e com as outras religiões, e como se processa a vida na
comunidade muçulmana em Lisboa, os seus rituais e as suas
especificidades. Fomos também saber como foi há cinquenta anos atrás, no
período antes da publicação da Lei sobre a Liberdade de
Religião, que veio abrir a sociedade portuguesa a outras religiões.
Mohamed Abed nasceu em Lourenço Marques, em Moçambique, e chegou a
Portugal em 1975. O avô era natural da Índia, da região de
Guzarat.
CRISTINA DANGERFIELD
www.portugalpost.de
PP – Durante a comemoração do 50.º
aniversário da CIL, falei com algumas pessoas na assistência, com Abdul
Karim Vakil, e um sócio fundador que acompanhou o
início da construção da Mesquita de Lisboa e me mostrou algumas
fotografias da época. Falaram-me do financiamento da mesquita e fiquei
surpreendida porque mencionaram a Arábia Saudita e o Irão,
que professam vertentes muito diferentes do Islão e têm mesmo um
diferendo político.
Procuramos ter uma atitude
equidistante na relação com todos os países. Temos com todos eles uma
proximidade: que é a religião, mas não misturamos a política. Quando
iniciámos a construção da mesquita procurámos ter o apoio dos países
islâmicos, numa primeira instância.
PP – Qualquer que fosse essa vertente?
Qualquer que fosse, desde que fosse
muçulmano, mas tivemos também ajudas de pessoas não muçulmanas. Em
termos das embaixadas, estivemos abertos a todos os apoios que
nos quisessem dar. Independentemente de ser o Irão ou a Arábia
Saudita. Tivemos também o apoio da Turquia, do Paquistão, do Omã, do
Koweit, da Líbia e outros. Portanto, quase todos os países
islâmicos nos ajudaram. A cedência do terreno foi feita em 1977 pela
Câmara Municipal de Lisboa, em 1979 fizemos o lançamento da primeira
pedra e em 1985 foi inaugurada a primeira fase que
incluiu a sala onde se faz as abluções.
PP – Não é comum a comunidade
islâmica, que tem muitas vertentes, estar unida numa só mesquita. Mas a
minha questão é: se em 2018, os sunitas, os xiitas, os
alevitas, os ismaelitas, entre outros, continuam a vir rezar a esta
mesquita?
Continuam todos. E se falarmos dos
países, posso dizer-lhe que, ainda recentemente, há cinco ou sete anos
atrás, o Irão voltou a dar-nos apoio, através de uma
instituição governamental: forneceram-nos os azulejos que cobrem a
cúpula grande e a mais pequena, e o minarete, bem como o Mirabe (que é o
sítio onde o Imame dirige as orações). A Qiblá é a
orientação. A mesquita está orientada para Meca. Assim, em qualquer
parte da mesquita sabemos em que direcção é Meca, porque ela já está
virada nesse sentido.
PP – Mas nem sempre foi assim. No início rezava-se virado para Jerusalém (Al-Quds)?
A primeira orientação foi para a
mesquita de Al-Aqsa (Jerusalém), porque segundo as nossas tradições,
numa noite, o profeta fez uma viagem de Meca para Al-Aqsa, a
Miraj. Depois recebeu-se a orientação que a Qiblá deveria ser para a
região onde surgiu o Islão (onde foi revelado o Alcorão).
PP – Se um não muçulmano ler o Alcorão, só por si, vai perceber a cronologia e o contexto das revelações?
O Alcorão foi revelado ao longo de 23
anos. Portanto há fases em que o Alcorão foi revelado quando o Profeta
esteve em Meca e outra parte quando esteve em Medina, e
há partes que se completam entre si. Está feito numa certa ordem,
mas requer bons conhecimentos e, essencialmente, ler as notas que estão
no final da página. É lendo essas notas que vamos
percebendo como os versículos se ligam com outros. Ler o Alcorão sem
as notas que estão por baixo, por vezes, distorce e confunde as
pessoas. E há outros complementos para nos situarmos.
PP – Isto quer dizer que só é possível compreender o Alcorão num contexto mais global.
É como a Bíblia. Quem ler a Bíblia
como um livro normal, não chega a lado nenhum. Tal como a Tora. Os
livros sagrados são livros revelados em determinados contextos
e situações. Por isso é que há estudiosos que se debruçam sobre
estes livros.
PP – Assim, se existir um versículo em que haja dúvidas, o que se faz?
Em primeiro lugar, fala-se com o Imame (o equivalente ao ministro de culto). Aqui falamos com o Sheik Munir.
PP – E qual a designação para o equivalente aos teólogos no Islão?
Nós chamamos Imames, e depois Sheik
(tratamento respeitoso), acima daqueles há os Mufti, que decretam
determinados procedimentos de acordo com o que lêem ou
estudam.
PP – Voltemos à interpretação do Alcorão. Há cursos para orientar os jovens no Islão?
As pessoas fazem uma grande confusão
quando se fala em Madraça, que quer dizer, Escola. É como se fosse uma
escola de catequese. Quando se diz, «vou para a
catequese», ninguém leva a mal. Normalmente estas escolas islâmicas
estão ligadas às mesquitas.
PP - O que se faz nesta «catequese», digamos assim, para simplificar?
Antes de se chegar à leitura do
Alcorão, há todo um processo que as pessoas têm de seguir. Aprendem o
abecedário, alfabeto árabe, a ligação das palavras, como se
estivessem na escola primária.
PP – E aprendem árabe também ou aprendem só a ler?
Há escolas mais avançadas que ensinam
também o árabe. Mas em primeira instância é perceber o contexto do
Alcorão e, posteriormente, ensinar o árabe.
PP – O Alcorão tem muito a ver com ler, recitar?
E memorizar. Os Imames memorizam o
Alcorão. É uma coisa espantosa. Há crianças com sete, oito anos que já
têm alguns capítulos memorizados. É espantoso como as
pessoas têm esse dom.
PP – Qualquer pessoa que estiver
interessada em aprender o Alcorão, mesmo não sendo muçulmana, poderá vir
aqui à mesquita e inscrever-se num dos
cursos?
Sim. O próprio Sheik Munir dá aulas de
língua árabe. Têm que contactar a secretaria e devem fazê-lo logo no
início dos cursos. Temos também o Sheik Zamir que apoia
os convertidos.
PP – Há muitos convertidos em Portugal?
São alguns, um número interessante, mas não tenho números exactos.
PP – Na sua opinião, porque é que as pessoas se convertem ao Islão?
Tem a ver com o mundo interior das
pessoas, e a família até pode não aprovar. As pessoas visitam a
Mesquita, sabem o que fazemos, e podem chegar à conclusão que é
isso que eles buscam.
PP – A conversão ao judaísmo só é
possível pela via ortodoxa e o processo é longo. A conversão ao
cristianismo também é longa e complexa. Demora pelo menos um ano
com aulas de catequese. Como é que é no Islão?
Os princípios são todos semelhantes. A
pessoa têm que se informar, conhecer a realidade. Tem que haver bases e
conhecimentos para decidir, e a vontade própria de se
converter.
PP – O que é que as pessoas têm de fazer para se converterem ao Islão?
Além de conhecer, têm de acreditar na
existência de um só Deus e que o Profeta Maomé é o mensageiro de Deus.
Têm também de conhecer e cumprir os cinco pilares do
Islão, que são: a profissão de fé, a oração, a caridade, o jejum, a
peregrinação a Meca. Esta é obrigatória, mas apenas para aqueles que
tenham meios para fazer essa viagem. Não se pode pedir um
financiamento para fazer a peregrinação, porque se pode estar a pôr
em causa a subsistência familiar. Isso não é aceitável.
PP – É verdade que quem disser três
vezes que «Deus é único e que Maomé é o seu Profeta», perante três
testemunhas, passa a ser muçulmano?
Isso é a Profissão de Fé que só é feita depois de se ter adquirido todos os conhecimentos necessários.
PP – A comunidade islâmica mudou bastante desde os anos 60. Como descreveria hoje a comunidade muçulmana de Lisboa?
A Comunidade Islâmica em Lisboa foi
fundada em 1968 por estudantes vindos das ex-colónias, particularmente
Moçambique. Retratando a época: Moçambique era Portugal,
com cultura e língua portuguesas. A nossa maneira de ser e estar não
se diferenciava muito de Portugal Continental, embora não soubéssemos
como era. Pela mostra do contacto que tínhamos com as
pessoas que iam daqui para Moçambique, não eram diferentes de nós.
Naturalmente, nos anos 60, era uma religião estranha. Portugal era um
país fechado, vivia-se num contexto essencialmente
católico. Não havia liberdade para os outros cultos. Posso dizer que
nesses anos não terá sido fácil as pessoas praticarem a sua religião. É
curioso que, em 1966, já houve um grupo de 10 pessoas,
entre os quais 5 cristãos, que pediram ao Estado a construção de uma
mesquita para as pessoas muçulmanas. Isto só foi possível depois do 25
de Abril, porque o país não podia continuar fechado
sobre si próprio, ademais estando na Europa, e com a vinda de muitas
embaixadas de países muçulmanos e o estabelecimento de relações
comerciais e políticas com esses países, Portugal
abriu.
O primeiro presidente da CIL, e primeiro sócio, foi o Senhor Suleiman Valy Mamede que, na altura, esteve ligado ao PSD.
PP – A imigração do subcontinente indiano tem tido impacto na comunidade?
Eu gostava de responder como quando
mencionou há bocado o Irão e a Arábia Saudita. Esta mesquita está aberta
a todas a tendências. Aliás, basta ver a quantidade de
pessoas que vêm à sexta-feira: magrebinos, tunisinos, egípcios,
africanos, membros do corpo diplomático. Existe uma pequena comunidade
xiita e muitos deles vêm cá fazer as suas orações, sem
problemas. E nós também podemos ir ao lugar de culto deles. Nos dias
do Eid (festas religiosas) vêm também alguns ismaelitas fazer a oração
connosco. No lugar de culto dos bangladeshianos
só se vê pessoas do Bangladesh, mas isso porque eles moram na zona
do Martim Moniz. Nós somos mais abertos porque não temos uma maioria
específica nesta zona da cidade.
PP – Quantas mesquitas há em Portugal?
Em todo o país temos cerca de 53
mesquitas e lugares de culto. Em Lisboa temos 2 mesquitas, a nossa e a
do Bangladesh, e pequenos lugares de culto.
PP – Como descreveria o relacionamento com os portugueses da religião maioritária hoje em dia?
Podemos dizer que nós podemos ser um
exemplo para a Europa na questão da convivência entre as religiões,
porque existe um bom entendimento entre todos, também com a
comunidade judaica, que é pequena. Esse entendimento estende-se não
só pelas cúpulas, mas mesmo pelas massas. Estamos completamente
integrados e não sentimos que sejamos marginalizados. Haverá
alguns sinónimos de racismo ou xenofobia muito pontual. Os políticos
que vieram à comemoração do nosso 50.º aniversário referiram a nossa
boa integração e convivência e, por isso, fomos
agraciados com a Ordem da Liberdade.
Através do pequeno vídeo, que chamámos
«Momentos da CIL», pode observar-se o nível de actividade que temos e
como estamos integrados na sociedade. Temos vários tipos
de actividades, por exemplo: as visitas de alunos das escolas. Todos
os anos, passam por aqui cerca de 8 mil estudantes que visitam a
mesquita. Também aproveitam para visitar a Sinagoga e o
Templo hindu, precisamente para adquirir conhecimentos sobre
religião. E também há grupos organizados de adultos que vêm visitar a
mesquita.
Também organizamos Tertúlias. Fizemos
uma parceria com a Universidade Lusófona, e todas as primeiras
terças-feiras do mês procuramos ter uma tertúlia. Essa tertúlia
não trata só da vertente religiosa, mas ainda de temas de interesse
geral, nacional e internacional.
PP – Pode dar um exemplo?
Homenageámos Mário Soares, e já
falámos sobre o autoproclamado Estado Islâmico, o tráfico de seres
humanos, a mutilação genital feminina. A última é uma tradição
cultural, que é muito praticada nos países africanos, especialmente
na Guiné-Bissau, Guiné Conacri e Senegal. E tivemos pessoas africanas a
falar sobre isso nesse debate. Mas também os
não-muçulmanos dessas zonas, por uma questão cultural, praticam
isso. É uma questão cultural e tribal. O Islão repudia isso e não consta
do Alcorão. Falámos também sobre a Lei da Liberdade
Religiosa, o Papa, a banca islâmica. Entre os oradores, passaram por
cá, Jorge Sampaio, Vera Jardim, Guilherme de Oliveira Martins, o
constitucionalista Jorge Bacelar, pessoas ligadas à OSCOT
(Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo),
entre outros.
PP – Que outras actividades tem a CIL na Mesquita?
Temos parcerias no campo desportivo:
com o Sporting Club de Portugal, que usa o nosso pavilhão para os
treinos da formação de basquetebol; e com a Universidade Nova
que usa as nossas instalações para os treinos para o campeonato
universitário.
Em 2005, começámos uma campanha
designada por «Almoço de Natal» para idosos e carenciados, muçulmanos e
não-muçulmanos. O ano passado tivemos aqui cerca de 600
pessoas. Este trabalho é feito com voluntários: estiveram connosco
os jovens da Universidade Nova, do Sporting, pessoas de outras igrejas,
também jovens mórmons. Em 2010, iniciámos outra campanha
que é «Sopa para todos». Todas as semanas preparamos sopa para as
pessoas e o ano passado servimos cerca de 12 mil refeições.
PP – Como é que avaliam se as pessoas são carenciadas?
Para o almoço de Natal, as pessoas
inscrevem-se na Junta de Freguesia, para se controlar e, essencialmente,
para se planear a distribuição de um cabaz, por família,
com alimentos de primeira necessidade. O ano passado distribuímos
cerca de 200 cabazes. Na Sopa para todos, as pessoas entram, nós não
perguntamos.
PP – E como financiam esta distribuição? Através do Zaqat?
Não, através dos membros da CIL, que
vão dando o que acham que devem dar. E há também pessoas que não são
muçulmanas que também contribuem. O Zaqat é uma caridade
destinada a pessoas muçulmanas e é um dos pilares do Islão. Temos a
comissão do Zaqat que gere esse valor para as pessoas necessitadas.
Também há pessoas que têm uma verba excedentária, e não de
Zaqat, e com essa verba ajudamos as pessoas não-muçulmanas. No
contexto de Zaqat, no ano passado, foram distribuídos 110 toneladas de
alimentos.
PP – Como é o relacionamento da CIL com as instituições?
O nosso trabalho e o contacto com as
instituições é paradigmático para a Europa. Mas mantemos um low-profile e
não apregoamos a caridade que fazemos. Fazemos parte
de organizações humanitárias, por exemplo, a PAR, a Plataforma de
apoio aos Refugiados, um movimento da sociedade civil. O governo achou
este projecto muito interessante e também apoia. Fazemos
também parte de um grupo de trabalho para o diálogo inter-religioso
que opera debaixo da alçada do ACM (Alto Comissariado das Migrações) e
nesses grupos estão inscritas quase todas as confissões
religiosas. São cerca de quinze confissões diferentes a trabalhar
juntas.
PP – Convidam pessoas de outras religiões para o iftar durante o Ramadão?
No mês de Ramadão, há um dia em que partilhamos o iftar com as outras confissões religiosas. O iftar é a refeição de quebra do jejum depois do
pôr-do-sol.
PP – A seguir ao Ramadão vem a peregrinação a Meca e o Kurban. Poderia explicar do que se trata?
Temos a festa do fim do Ramadão que é
pública e a peregrinação a Meca. Há um factor que as pessoas
desconhecem, que é o Kurban, uma prática obrigatória na altura da
peregrinação, o hadj, e que está ligada ao momento em que Abraão é
instruído por Deus para sacrificar o seu filho. Na altura de o
sacrificar foi substituído por um cordeiro. Nessa altura, todas
as pessoas que tenham condições para tal, depois da peregrinação,
têm que sacrificar um animal, e cortá-lo em três partes: um terço é para
a pessoa que encomenda o Kurban, e a sua família, outro
terço para os amigos, e um terço para os pobres. Aquilo que é para
os pobres não pode ser desviado para outros fins. É possível abdicar dos
outros dois terços a favor das pessoas pobres. Imagine
que estamos a falar de 1,3 ou 1,5 mil milhões de pessoas muçulmanas,
tirando as crianças, se 75 por cento desse número seguir religiosamente
essa prática, já pensou na quantidade de carne que é
distribuída pelas pessoas necessitadas?
PP – Pode ser um animal qualquer: uma vaca, um carneiro?
No Médio Oriente, por exemplo, na Arábia Saudita, são os camelos. Aqui poderá ser uma vaca.
PP – Mas um animal grande é muito caro?
Mas podem juntar-se em famílias. Se
for um animal, como um borrego ou um cabrito, é um por cabeça. Se for
uma vaca, podem juntar-se sete pessoas. Nós aqui facultamos
esse serviço à população. O ano passado abatemos 52 borregos e 4
vacas. Dividimos por sacos de 1,2 kg e tivemos cerca de 1 tonelada de
carne.
Temos duas festas de Eid, o Eid al
Fitr, que é comemorado no final do mês do Ramadão, e o Eid al Adha, que
se celebra no final da peregrinação a Meca. No Eid al
Fitr, antes da oração da manhã, as pessoas que podem contribuem com 1
ou 2 kg de arroz ou de trigo para que as pessoas necessitadas tenham
uma refeição mais condigna. No Eid al Adha, depois da
peregrinação, temos 3 dias para fazer o Kurban. No último fizemos
700 pacotes e dividimos pelas pessoas necessitadas, muçulmanas e
não-muçulmanas. Se cada família tiver 4 pessoas, 2800 pessoas
conseguem comer carne. Este é um aspecto social que merece ser
destacado. Por exemplo, na Arábia Saudita, a carne é enlatada e enviada
para os países mais necessitados.
PP – E relativamente à radicalização de jovens em Portugal, tem tido alguma informação?
Por aquilo que me apercebo, mas não posso falar do que vai acontecer amanhã, não temos tido esse problema.
Não me interprete mal, mas essa
questão surgiu porque o Ocidente também tem culpa no cartório. Porque há
um sentimento de revolta pelo tratamento que é dado a
situações internacionais. Por exemplo, o caso de Israel e da
Palestina. Os palestinos agarram uma pedra e lançam-na contra um soldado
e aparece logo um avião. Ora isto é desproporcional e gera
revolta, e a comunidade internacional pactua com isto. Temos a
questão da invasão do Iraque e da Líbia também. Mas porquê? Deixaram um
campo aberto de revolta das pessoas. Em vez de criar
melhores condições, estas pioraram.
PP – Imagino que quando veio para Portugal não havia alimentos «halal»?
Eu cheguei em 1975 e, nessa altura,
pouco se conhecia da nossa religião. Como eu não bebia, um amigo meu
disse-me que se eu dissesse que não bebia por questões
religiosas ninguém iria compreender. Tive que dizer que sofria do
fígado e não podia beber álcool. Hoje em dia as pessoas estão mais
informadas. Na altura era um insulto recusar um copo de
vinho.
E não havia alimentos halal. Mas nós
podemos consumir «kosher», e os judeus até são mais exigentes do que
nós. Hoje em dia há facilidade em adquirir alimentos halal.
A CIL faz parte do Instituto Halal de Portugal e trabalhamos na
questão do halal. Eu faço auditoria nos matadouros que se
disponibilizaram a fazer abate halal. Tem que haver pessoas muçulmanas a
quem damos formação para fazer o abate segundo as exigências halal e
a partir daí, nos matadouros de aves, cabritos, gado ovino e bovino. E
fazemos com alguma regularidade as visitas. Não vamos
todos os dias, porque o mercado halal é de bastante confiança. Se as
pessoas com conhecimentos destas regras querem aderir a este processo,
têm que ser pessoas credíveis.
PP – E quais são as regras «halal» em geral?
O Alcorão diz que «não se pode tirar a
vida a nenhum ser vivo». Deus criou os animais em duas situações: para
servir como animal de carga, de trabalho, e também para
a nossa alimentação. Mas para tirarmos a vida temos que sacrificar
em nome de Deus (recitação do tasmiyah por um muçulmano). Os cristãos
também faziam isso, depois deixaram de o fazer. Os judeus
mantêm-no e nós também. Portanto, tem que ser uma pessoa muçulmana, o
animal tem que estar vivo antes do abate, e tem que se cortar as veias e
as artérias para sangrar totalmente, e é nisto,
essencialmente, que consta o halal. Nós damos formação e depois
acompanhamos. Aliás foi elaborada uma norma portuguesa de alimentação
halal pelo Instituto Português de Qualidade, em que intervém
também a DGAV (Direcção Geral de Agricultura e Veterinária), e
representantes da restauração e das indústrias transformadoras. Basta
seguir as normas portuguesas de alimentação halal, publicadas
em Março deste ano (2018).
PP – Há cemitérios muçulmanos em Portugal?
Há talhões muçulmanos dentro dos
cemitérios. E temos um talhão considerável no cemitério do Lumiar. Em
Feijó e Odivelas são apenas as pessoas recenseadas nessas
freguesias que podem aí ser enterradas. O cemitério do Lumiar é
nacional. Qualquer pessoa muçulmana pode ser aí enterrada sem qualquer
tipo de exigência.
PP – Há agências funerárias muçulmanas?
Mas qual é o serviço que uma agência
funerária presta? Transportar o falecido de casa ou do hospital para a
mesquita e depois para o cemitério, apenas. Por isso, no
caso dos muçulmanos, a lavagem ritual é feita pelas pessoas da
família ou por uma comissão que a comunidade tem e que disponibiliza. De
acordo com a nossa tradição, quando alguém morre, deve ser
enterrado o mais depressa possível. No Médio Oriente e nos países
africanos, os mortos são enterrados passado uma hora, na Europa devem
decorrer 24 horas. Fazemos o velório na mesquita. O corpo é
lavado. Se for uma mulher, é lavado pelas mulheres da família ou
mulheres da comissão, sendo um homem é pelos homens. Por fim, o corpo é
embrulhado numa mortalha branca e no cemitério é retirado
do caixão e põe-se em contacto com a terra. Numa primeira instância,
o corpo é protegido com traves de madeira, para não dar a impressão que
a terra está a cair em cima do morto.
No final da entrevista, o Senhor
Mohamed Abed teve ainda a gentileza de mostrar a sala da mesquita onde
são feitas as lavagens rituais dos mortos. Umas correntes com
roldanas, colocadas em ambos os lados da sala, permitem elevar os
corpos, dado que, no caso de pessoas mais corpulentas, é difícil
movê-las, principalmente no caso das mulheres. Os mortos são
deitados numas bancadas onde são lavados, sempre cobertos por seis
ou sete lençóis, nunca ficando nus. Também mostrou a sala das abluções,
onde se fazem as lavagens rituais antes da oração do
dia, e uma pequena sala adjacente, com prateleiras de madeira, onde
os crentes deixam os sapatos antes de entrar no local de oração da
mesquita.
O Portugal Post foi fundado em 1993 e é um órgão de informação ao serviço da comunidade portuguesa da Alemanha
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