Avempace, o exímio precursor da Filosofia no al-Andalus
Avempace, como reza a denominação latinizada, foi talvez o primeiro filósofo de inequívoca categoria a revelar-se no Al-Andalus. Nascido no reino taifa de Saragoça por volta de 1085, não demorou muito a deixar influenciar-se pelo pensamento de autores helénicos tais como Platão ou Aristóteles (aliás, terá traduzido algumas obras deste último, além de ter efectuado comentários). Com o nome árabe de Ibn Bâjja (ou Ibn Bajjah), este erudito abriu novas luzes em vários campos do conhecimento tais como a filosofia, a medicina, a matemática, a astronomia, a botânica e até a própria música. Por outras palavras, assumiria uma vocação intelectual digna de um verdadeiro polímata. No entanto, e como já havíamos referido, seria certamente na área da filosofia onde o seu contributo seria mais evidente e até mesmo decisivo.
PEDRO HENRIQUES
De acordo com Josép Puig Montada, investigador de filologia da Universidade Complutense de Madrid, o desenvolvimento inicial das matérias filosóficas no seio das sociedades muçulmanas corresponderam a um processo moroso ou lento. Por outras palavras, até ao tempo de Avempace, a filosofia não tinha gerado elevado interesse dentro das constelações intelectuais islâmicas, tendo florescido apenas timidamente em regiões periféricas. Ibn Sina (ou Avicena; 980-1037) fora talvez uma das principais excepções desse séquito intelectual de genialidades muçulmanas, mas até esse erudito desenvolveria a sua obra e o seu pensamento filosófico nas zonas periféricas da extensa Pérsia.
No Al-Andalus, o cenário não tinha sido até então muito diferente, visto que o credo sunita e os ensinamentos legais da escola maliquita haviam prevalecido vincadamente até então. A filosofia encontrava-se ali praticamente no esquecimento ou num estado de letargia, salvando-se apenas modestas excepções refugiadas nos trabalhos descontinuados de alguns estudiosos. Com o aparecimento de Avempace (c. 1085-1139), um novo ciclo, bem mais luminoso, iria ser então proporcionado, contrastando assim com um passado pouco produtivo em termos de reflexões sobre o próprio pensamento humano. A Filosofia haveria de libertar-se daquele penoso enclave em que se achava, começando a cultivar o conhecimento no seio das elites culturais muçulmanas.
Mas quem fora Avempace? Em que contexto vivera? E que conhecimentos nos legou?
Referências Consultadas:
PEDRO HENRIQUES
De acordo com Josép Puig Montada, investigador de filologia da Universidade Complutense de Madrid, o desenvolvimento inicial das matérias filosóficas no seio das sociedades muçulmanas corresponderam a um processo moroso ou lento. Por outras palavras, até ao tempo de Avempace, a filosofia não tinha gerado elevado interesse dentro das constelações intelectuais islâmicas, tendo florescido apenas timidamente em regiões periféricas. Ibn Sina (ou Avicena; 980-1037) fora talvez uma das principais excepções desse séquito intelectual de genialidades muçulmanas, mas até esse erudito desenvolveria a sua obra e o seu pensamento filosófico nas zonas periféricas da extensa Pérsia.
No Al-Andalus, o cenário não tinha sido até então muito diferente, visto que o credo sunita e os ensinamentos legais da escola maliquita haviam prevalecido vincadamente até então. A filosofia encontrava-se ali praticamente no esquecimento ou num estado de letargia, salvando-se apenas modestas excepções refugiadas nos trabalhos descontinuados de alguns estudiosos. Com o aparecimento de Avempace (c. 1085-1139), um novo ciclo, bem mais luminoso, iria ser então proporcionado, contrastando assim com um passado pouco produtivo em termos de reflexões sobre o próprio pensamento humano. A Filosofia haveria de libertar-se daquele penoso enclave em que se achava, começando a cultivar o conhecimento no seio das elites culturais muçulmanas.
Mas quem fora Avempace? Em que contexto vivera? E que conhecimentos nos legou?
(Imagem nº 1 - Até meados do século XI, a filosofia não tinha cativado
ainda grandes seguidores no al-Andalus e em muitas outras regiões do
Mundo Árabe. Era assim considerada uma ciência pouco atractiva. Nomes
como Avempace ou Averroes iriam mais tarde instaurar um novo paradigma.
A Vida de Avempace (Ibn Bâjja)
Sobre a vida de Avempace, restam-nos poucos factos concretos e alguns
exercícios especulativos. A ausência de registos escritos em torno das
suas vivências constitui certamente uma realidade que não podemos
ignorar, tornando quase impossível traçar com rigor o seu percurso
biográfico.
Sabemos que nascera por volta de 1085 no reino taifa de Saragoça, o qual
se encontrava nas mãos da dinastia dos Banû Hûd. Talvez descendente de
uma modesta família de prateiros, Avempace não herdaria um contexto
político favorável. Yusuf al-Mutaman Ibn Hud tinha reinado anteriormente
entre 1081-1085, não hesitando em favorecer as artes, as ciências e a
cultura muçulmana. No entanto, os tempos de esplendor da Saragoça
muçulmana estavam prestes a terminar. O seu sucessor al-Musta'in II
testemunhará a chegada dos almorávidas que, a troco de obediência a
Marraquexe e da reunificação dos reinos taifas, procurarão travar ou até
inverter o avanço cristão na Península Ibérica. É verdade que o reino
taifa de Saragoça permanecerá ainda independente por algum tempo, fruto
das boas relações de al-Musta’in II com os novos protagonistas. Ainda
assim, a pressão intensificava-se, cada vez mais, sobre o seu reino
fronteiriço. Em 1110, o sultão da taifa de Saragoça tomba na batalha de
Valtierra, onde fora derrotado pelas forças do destemido rei D. Afonso I
de Aragão.
É possível que Avempace tenha estado ao serviço de al-Muta’in II e até
do seu sucessor Abdelmalik Imad al-Dawla que apenas reinaria por poucos
meses. Entretanto, os almorávidas haveriam finalmente de se apossar da
taifa sobrevivente à fusão já levada a cabo no al-Andalus. Ibn al-Hach
ou Ibn al-Hayy (1110-1115) seria, por conseguinte, o novo governador,
não descurando a sua faceta guerreira e desafiando assim o principal
inimigo dos interesses muçulmanos naquela região oriental da Península
Ibérica – o rei Afonso I de Aragão, “o Batalhador”.
O falecimento de Ibn al-Hayy abrirá as portas do poder a Ibn Tifilwit
(1115-1117), e será durante o curto reinado deste último que
encontraremos finalmente informações mais concretas a respeito de
Avempace. Sabemos que o notável filósofo seria nomeado vizir pelo novo
soberano almorávida. O seu pensamento heterodoxo não foi aqui obstáculo
para a sua promoção social, algo que constituiria uma raridade, tendo em
conta a linha de pensamento conservadora dos almorávidas. E a
retribuição não se fez esperar – fazendo jus aos seus dotes poéticos
(que também os tinha), Avempace compôs panegíricos dirigidos ao novo
senhor de Saragoça. Neste ambiente de amizade recíproca, Ibn Tifilwit e
Avempace desfrutaram dos prazeres do vinho e da música. Mas este período
de maior notoriedade atribuída ao intelectual de Saragoça tinha os dias
contados. Numa visita, alegadamente diplomática, ao Castelo de Rueda
(ou às adjacências deste), onde se havia refugiado o anterior governador
deposto pelos almorávidas - Abdemalik Imâd ad-Dawla, Avempace não seria
muito bem recebido, tendo o vizir de Saragoça ficado encarcerado por
alguns meses [1]. No inverno de 1117, o governador almorávida Ibn
Tifilwit falece, o que motivou Avempace a redigir algumas elegias em sua
memória.
Pouco tempo depois, em 18 de Dezembro de 1118, Afonso I de Aragão
consegue finalmente apoderar-se de Saragoça, aproveitando o vazio de
poder que então se vislumbrara. Não sabemos se Avempace ainda se achava
na cidade ou se já havia abandonado a mesma. Aliás, entre 1118 e 1136,
existe um interregno na biografia deste filósofo, sobrando apenas
especulações.
Supostamente, terá percorrido doravante as regiões de Játiva (ou
Xátiba), Almeria, Granada e Orão. Neste momento de maior indefinição
histórica em relação à sua vida, decidimos, uma vez mais, socorrermo-nos
dos apontamentos do filólogo - Josép Puig Montada.
Dentro deste contexto, Ibn Bâjja teria procurado abrigo em Játiva, mais
concretamente na corte de Abû Isḥ'âq Ibrahîm ibn Yûsuf Ibn Tâshufîn,
conhecido como Ibn Tâ'yâsht. Acredita-se que as relações com aquele
soberano e seus respectivos conselheiros não terão sido as mais
profícuas, e Avempace teria sido novamente preso em data indeterminada.
Esta situação menos favorável do nosso biografado poderá ter-se devido à
influência de inimigos que ali conquistara naquela corte. Por um lado,
sabemos que o físico Abu l-'Alâ' Zuhr, pai do médico Abû Marwân 'Abd
Malik bn Abîl-Al-Zuhr (este cientista notabilizou-se rapidamente ao
serviço do governador de Játiva), nutria um ódio de estimação por
Avempace. Como se não bastasse, na corte de Játiva, pontificava
igualmente o poeta Abû Naṣr al-Fatḥ Ibn Muḥammad Ibn Khaqân que não só
dedicou uma antologia ao senhor de Játiva (denominada “Qalâ'id
al-iqyân”), como não hesitou em colocar intencionalmente Avempace nos
últimos lugares, talvez em sinal de descrédito.
Apesar das sucessivas agruras, Ibn Bâjja terá permanecido ao serviço dos
almorávidas até ao resto da sua vida, tendo alegadamente exercido, de
novo, o posto de vizir (talvez já em Fez) na corte de Yaḥyà ibn Yûsuf
Ibn Tâshufîn, irmão do sultão magrebino Sultan ‛Alî Ibn Yûsuf Ibn
Tâshufîn. Mas continuamos a saber muito pouco sobre os seus feitos, as
suas deslocações e as suas relações com outros protagonistas políticos e
culturais do al-Andalus.
Em 1136, temos finalmente notícias mais credíveis com Avempace a
encontrar-se em Sevilha, onde estaria com o seu grande discípulo - Abû
l-Ḥasan Ibn al-Imâm, também ele natural de Saragoça, e com o qual
trocara, ao longo da sua vida, correspondência de natureza filosófica.
No ano de 1139, acabaria por falecer em Fez, já em pleno solo
marroquino. Julga-se que a sua morte fora provocada por envenenamento
através de um ardil promovido por algum dos seus inimigos.
Se a sua vida inspira muitas interrogações derivadas da escassez de
testemunhos documentais, a sua vasta obra ajuda-nos, pelo menos, a
conhecer a sua visão sobre o homem e o mundo que o rodeava.
Imagem nº 2 - Avempace (1085-1139) foi vizir em Saragoça e talvez ainda
em Fez. Ao longo da sua vida, contraiu um número considerável de
inimizades. Ainda assim, a sua intelectualidade seria apreciada por
muitos.
Retirada do Site Pinterest
Imagem nº 3 - O Palácio de Aljaferia em Saragoça foi utilizado pelos
reis taifas e sucessores almorávidas. Um ambiente que certamente
Avempace conheceu bem.
Retirada de: https://travelpast50.com/aljaferia-zaragoza-spain/
O Legado de Avempace
Avempace terá sido responsável pela produção de mais de 40 obras, tendo a
maior parte destas não resistido até aos nossos dias. Ainda assim, os
seus trabalhos mais importantes seriam: “O Regime do Solitário”, “O
Tratado da União do Intelecto com o Homem” e a “Carta do Adeus”.
Do ponto de vista filosófico, Avempace foi precursor de um pensamento
filosófico puro, traduzido num racionalismo que se inspiraria, em parte,
na lógica aristotélica.
Aceitando o princípio de que o homem seria um animal racional, o erudito
muçulmano categoriza três estratos de evolução humana. Num primeiro
nível, estariam presentes todos aqueles que integravam a “grande massa”,
isto é, os que apenas sabem das coisas materiais, singulares,
submetidas ao espaço e ao transcorrer do tempo. Num segundo nível,
identifica os “homens da ciência”, aqueles que, através da razão,
definem as leis e teorias universais, baseando-se na análise das coisas
singulares materiais. Por fim, num terceiro e derradeiro nível, dom
apenas ao alcance de um punhado de indivíduos, encontraremos os seres
humanos, libertos do espaço, tempo e substâncias materiais e
completamente direccionados para os seres espirituais e as dinâmicas
inteligíveis puras que seriam ministradas pelo Intelecto Agente, fonte
da supra-racionalidade e intermediário entre Deus e o Mundo Material.
Por outras palavras, o fim dos homens seria a união total com Deus
através de uma dupla dimensão cognoscitiva-intelectual e mística. Como
podemos constatar, este seu pensamento não diferia muito daquele que já
tinha sido apregoado por Avicena e al-Farabi que haviam proclamado o
“Intelecto Agente” como o Primeiro Motor do Universo, fonte do
conhecimento científico e místico. Esta derradeira ideia causou
certamente torrentes de controvérsia junto das linhas mais conservadoras
do Islão (o sábio foi inclusivamente acusado de heresia pelos seus mais
acérrimos inimigos), visto que Avempace propõe um caminho ascético e
místico/esotérico (com alusões ao célebre “regime do solitário” e aos
referidos “sábios-solitários”, os quais procurariam seguir uma vida à
margem das sociedades corruptas) no qual o ser humano estaria em união
absoluta com Deus já nesta vida, colocando assim em causa a imortalidade
da outra vida, bem como a individualidade pessoal daqueles que faleciam
e rumavam para o além. Conclusões que certamente não agradaram às
hostes menos tolerantes do seu tempo.
Inspirado ainda pela visão social de Platão, Avempace sonhava com uma
comunidade na qual imperasse a justiça e a saúde, contrastando assim com
as actuais sociedades civis flageladas pela corrupção, e procurando,
por conseguinte, a instauração de uma nova realidade regida pela
verdade, virtude e amor entre os homens. E quem poderiam ser os
promotores dessa nova ordem mais justa? Os mencionados sábios-solitários
que estariam no mais alto nível de evolução humana. Inicialmente
afastados das sociedades corrompidas, poderiam ser estes que, após um
ambiente de solidão relativa, começariam a esboçar o modelo e o gérmen
de uma sociedade ideal que substituiria as sociedades imperfeitas.
Dentro deste contexto, nessa futura sociedade virtuosa reinaria a
felicidade e a paz, e nem sequer seriam necessários médicos corporais
(sem vícios, deixariam de existir as enfermidades; e todos aí já
saberiam como utilizar as plantas medicinais em caso de fraqueza
física), de alma (o espírito estaria em comunhão harmoniosa com o
Criador) e sociais (não seriam necessários juízes ou tribunais pois todo
o mal estaria irradiado).
Avempace teria assim defendido uma espécie de “Sufismo Intelectual”
(designação ousada atribuída por alguns historiadores apenas para
efeitos comparativos) em que a razão e a própria fé não se contradizem,
mas antes se complementam, conhecendo a mesma origem e conduzindo ao
mesmo fim – a descoberta da Verdade.
No entender de Ibn Bajjah, todas as ciências eram boas porque pertenciam
ao conhecimento sublime do homem e à sua alma intelectual. Aliás, o
homem distinguia-se dos demais seres pela sua capacidade de reflexão, e
por isso, a ciência só poderia ser proveitosa para a sua causa.
A Avempace é-lhe ainda atribuído o grande mérito de ter sido o primeiro
filósofo que deu a conhecer certas obras de Aristóteles no Al-Andalus,
fazendo com que este começasse a ocupar uma parte influente no
pensamento ocidental. Ao difundir e debater o pensamento de consagrados
autores helénicos, o nosso erudito acabaria por abrir novos horizontes
para uma disciplina até então modestamente desenvolvida pelos povos
localizados naquele território e nas suas periferias.
A aceitação do seu pensamento perduraria por alguns séculos, visto que
as suas concepções filosóficas inspiraram outros notáveis eruditos,
sendo eles cristãos, muçulmanos ou judeus. As obras de Ibn Bâjja seriam,
por exemplo, citadas por grandes eruditos tais como Ibn Tufayl,
Averroes, Alberto Magno, Alexandre de Hales, Maimónides, Raimundo Lulio,
etc.
Durante a sua vida, julga-se que Avempace também chegara a desempenhar o
ofício de médico, cenário que o motivou a deter elevados conhecimentos
sobre botânica. A medicina medieval irá essencialmente basear-se no
conhecimento existente sobre as propriedades das plantas e ervas,
tentando descortinar os benefícios que estas poderiam representar para o
ser humano. Neste contexto, Avempace produziu, em colaboração com
Abu-l-Hasan Sufyan al-Andalusi, o “Livro das Experiências” (infelizmente
desaparecido) e compôs alguns tratados, demonstrando assim interesse
pelas características curativas das plantas, as quais se assumiriam, na
época, como verdadeiros medicamentos. Numa primeira parte da sua obra,
teria procurado expor as características gerais do reino vegetal,
enquanto que, numa parte posterior, tentou enunciar as diferenças
essenciais e específicas que existem entre as plantas, propondo mesmo
uma classificação das mesmas. Aqui deixou alguns exemplos concretos que
enriqueceram os catálogos dos botânicos medievais, fossem eles latinos
ou árabes.
Sabemos que Avempace teria ainda estudado os ensinamentos de Hipócrates e
Galeno, estando igualmente atento aos trabalhos recentes de médicos
ocidentais e orientais (tais como Ibn Wafid e al-Razi). Efectivamente,
este erudito procurara ser um médico devidamente informado e
actualizado, ministrando os tratamentos que julgava ser mais adequados
aos seus pacientes na época em questão.
Na área da astronomia, Avempace escreveu o tratado “Nubad jasira 'ala
al-handasa wa-l-hay'a” ("Fragmentos simples sobre geometria e
astronomia"), tendo efectuado com rigor uma análise crítica e detalhada à
proposta cosmológica de Ptolomeu. Neste capítulo em concreto, o erudito
de Saragoça propôs a elaboração de um sistema astronómico sem epiciclos
mas com esferas excêntricas.
No universo da Matemática, terá demonstrado algum interesse pelas noções geométricas.
Por fim, Avempace demonstraria ainda dotes para o canto e poesia. A ele
se atribui um tratado de música e a composição de algumas canções
populares. Garcia Gómez, reconhecido investigador arabista, vai mais
longe ao inferir que Ibn Bajja foi o criador do zéjel, estilo
tradicional da própria poesia árabe que concernia na recitação de um
dialecto coloquial, muitas vezes expresso num estribilho de dois versos.
Em jeito de balanço final, Avempace foi alvo das mais diversas opiniões:
desde os elogios sem limite até aos maiores desprezos e insultos.
Acusado de ser heterodoxo e invejado por médicos (como os Ibn Zuhr, dos
quais já havíamos falado) e poetas, chegamos a uma conclusão – os homens
afinal também se podem medir pela talha ou pelas credenciais dos seus
inimigos, e neste caso em concreto, Avempace só poderia ter sido um
pensador de elevado gabarito capaz de desencadear ódios em outras
personalidades, também culturalmente bastante relevantes, no panorama do
Al-Andalus.
Afirmações presentes nas suas obras:
“A Sabedoria é o estado mais perfeito das formas espirituais humanas e
não se trata de um estado qualquer senão da perfeição mais absoluta”
“Todo o saber, como diz Aristóteles, é bom e belo. Apesar disso,
alguns saberes são mais nobres do que outros… A ciência da alma supera o
resto das ciências, físicas e matemáticas em todos os graus da nobreza.
Aliás, toda a ciência precisa da ciência da alma, visto que não nos
podemos deter nos princípios de uma ciência dada, sem que nos detenhamos
antes na alma e a conheçamos com precisão”.
“O homem se não pensa, seus actos serão animais e não participará em
absoluto da Humanidade mais que do feito de ser sujeito corporal cujo
aspecto externo é de um homem”.
“Aquele que obedece a Deus e faz o que lhe agrada, ele lhe premiará
com o Intelecto e colocará ante ele uma luz que o guie. E quem
desobedecer a Deus e realizar actos que não o agradem, será privado do
Intelecto e permanecerá nas trevas da ignorância”.
“Todo aquele que prefere a sua materialidade a qualquer coisa da sua
espiritualidade não poderá alcançar o fim último. Portanto, não haverá
um só homem material que seja feliz, enquanto que todo o homem feliz
será espiritual”.
“Quando as formas alcançam o [fim] último, alcança-se aquela
perfeição motriz, libertam-se de todo e se liberta aquele entendimento a
que pertence esta ideia, alcançando algo totalmente imaterial e imóvel.
Em nós aparece um entendimento que adquirimos mas que na sua mesma
existência é intelecto e somente se faz intelecto em nós, quando chega a
ser uma ideia perfeita”.
Imagem nº 4 - Avempace acreditava que o homem poderia estar inserido em
três estados diferentes: o corpóreo, o da virtude e o intelectual. Na
sua opinião, o conhecimento advinha do Intelecto Agente, fonte divina de
toda a sabedoria, contudo para alcançar este derradeiro fim, era
necessária a união total com Deus através de uma contemplação solitária e
mística.
Retirada de: https://nambiquarablog.wordpress.com/avempace/
Imagem nº 5 - Enquanto médico, Avempace demonstrou grandes conhecimentos
na área da botânica, estando assim a par das propriedades curativas das
plantas.
Nota de rodapé [1] - Outra
teoria, embora menos veiculada (e talvez pouco credível), sugere que
teria sido o próprio Ibn Tifilwit a prendê-lo em Saragoça, cedendo aos
interesses de alguns detractores do filósofo que já ali residiam naquela
cidade e que, na corte, haviam feito de tudo para conspirar contra ele.
Contudo, esta derradeira versão do aprisionamento em Saragoça a mando
do governador, como disséramos, parece não fazer muito sentido visto que
está excluída dos principais registos biográficos sobre Avempace. É sim
verosímil que tenha sido detido no âmbito da missão diplomática ao
derradeiro governador da dinastia dos Banû Hûd - Abdemalik.
Referências Consultadas:
- BADAWI, Abdurrahmân - Histoire de la philosophie en Islam. Vol. I. Paris: Librairie Philosophique, 1972, p. 702-717.
- MARCINKOWSKI, M. Ismail (Christoph Marcinkowski), "A Biographical Note on Ibn Bajjah (Avempace) and an English Translation of his Annotations to al-Farabi's Isagoge." Iqbal Review (Laore, Paquistão), vol. 43, no. 2 (Abril de 2002), p. 83–99
- https://plato.stanford.edu/entries/ibn-bajja/, (Consultado em: 10/11/2017). Artigo científico da autoria de Josép Puig Montada, o qual tenta contrariar o interregno biográfico, localizado entre 1118 e 1136, dando alguma ênfase à alegada passagem de Avempace por Játiva.
- http://www.enciclopedia-aragonesa.com/voz.asp?voz_id=161&tipo_busqueda=1&nombre=avempace&categoria_id=&subcategoria_id=&conImagenes=, (Consultado em: 10/11/2017).
- http://www.avempace.com/index.php?id=6, (Consultado em: 10/11/2017).
- https://www.webislam.com/articulos/25844-avempace_un_sabio_musulman_en_la_taifa_hudi_de_zaragoza.html, (Artigo da autoria de Maribel Ortega, consultado em: 10/11/2017).
- https://www.webislam.com/articulos/26230-ibn_bayya_avempace_de_zaragoza.html, (Artigo da autoria de Henry Corbin, consultado em: 10/11/2017).
- http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/H023.htm, (Artigo da autoria de Shams C. Inati, consultado em: 10/11/2017).
Comentários
Enviar um comentário