Sufismo: a importância dos carismas e prodígios na obra de Ibn Al Arif

Por volta de 1109, inicia-se uma perseguição contra alguns sufis do al-Andalus, com a queima das obras de Abū Ḥāmid al-Ghazālī (m. 1111). Marraquech tornara-se uma cidade de repressão anti-almorávida e é neste contexto que surgem alguns movimentos, de entre os quais o movimento muridínico levado a cabo por Ibn Qasī (m.1151), nascido em Silves, no Algarve contra os almorávidas. Nesta época, os místicos mais afamados eram precisamente Ibn Barraŷān de Sevilha, conhecido como Al-Gazālī de al-Andalus, Ibn al-‘Arīf de Almería, considerado o representante máximo do Sufismo no al-Andalus, e Ibn Qasī de Silves. Ibn al-‘Arīf destacou-se através das obras Mahāsin al-majālis (Esplendores dos Ensinamentos Sufis), onde refere as diferentes etapas do caminho espiritual e Miftāḥal-sa’āda wataḥqīq ṭarīq al-sa’āda (A Chave da Felicidde e a Realização do Caminho Espiritual do Êxtase), onde o autor apresenta algumas orações, textos de exegese corânica e ciência religiosa, teologia e etapas do caminho espiritual, entre outros temas. Para além disso, as obras acima referidas desenvolvem dois dos aspectos relevantes do misticismo islâmico que apenas os santos podem ter: os carismas e os prodígios.

NATÁLIA MARIA LOPES NUNES

Abū al-‘Abbās Aḥmad ibn Muḥammad ibn Mūsà ibn ‘Aṭā’ Allāh al-Ṣinhāŷī al-Mariyyī (1088-1141), de Almería (ou Tânger?) era de origem berbere do Norte de África, pertencente à tribo Banū Ṣinhaŷa. O seu pai, nascido em Tânger, ocupou o cargo de chefe da vigilância nocturna da cidade (cargo denominado na língua árabe de al-‘Arīf), razão pela qual o filho ficou conhecido por Ibn al-‘Arīf. Foram vários os seus biógrafos, de entre os mais importantes, destacam-se Ibn al-Abbār, com a obra Mu‘ŷam, Ibn Jallikān em Wafiyāt, al-Maqarrī em Nafḥ al-ṭ īb e al-Tādilī em al-Tašawwuf.

Ainda jovem, o pai quis que aprendesse o ofício de alfaiate, mas ele recusou, procurando estudar literatura, o Corão e outras obras de cariz religioso. Nessa sua aprendizagem, contactou com mestres importantes em Almería, Córdova e Múrcia, como por exemplo, Abū al-Ḥasan al-Barŷī (m. Almería, 1115-16), Abū Muḥammad ‘Abd al-Qādir ibn Muḥammad al-Ṣadafī al-Qarawī, conhecido como Ibn al-Ḥannāṭ (m. Almería, 1113), Abū Bakr ‘Umar ibn Aḥmad ibn Rizq, conhecido como Ibn al-Faṣ īḥ (m. Almería, 1113-4), Abū Jālid Yazīd (m. Almería, 1103), Abū al-Qāsim Jalaf ibn Muḥammad ibn Jalaf al-Anṣārī, o asceta Abū ‘Umar Aḥmad ibn Marwān ibn al-Yumnāliš, entre outros. É de salientar que, no al-Andalus, o Sufismo começou a desenvolver-se sobretudo a partir do século X, graças à tolerância de ‘Abd al-Raḥmān III e do seu filho al-Ḥakam. Este aspecto contribuiu para a vinda de muitos sufis orientais e do Norte de África que aí viveram. Já no século XII, exemplo disso, foi a vinda de alguns discípulos de al-Ghazālī, de entre os quais ‘Abd al-Raḥmān ibn Abī al-Raŷā’ al-Balawī (m.1150-1), que teve um papel fundamental na mesquita de Almería, onde ensinou Aḥmad ibn al-‘Arīf.

É importante referir o facto de os ensinamentos de al-Ghazālī terem sido muito importantes para a sua época, na procura de uma uniformização das ideias místicas, integrando exoterismo com esoterismo. Estas ideia foram veiculadas através das suas obras, sobretudo de duas delas, Al-Munqidh min ad-dalal (Libertação do Erro) e Iḥya’ Ulum al-din (Revivificação das Ciências da Religião). Citando F. Schuon:

"Al-Ghazali empenha-se em provar o caráter fundamentalmente islâmico, corânico e maometano do Sufismo. Na verdade, este resume a espiritualidade muçulmana, que é a “prática perfeita” (Ihsan) da Sunna. Portanto, uma “revivificação das ciências da religião” inclui, acima de tudo, a defesa e a reabilitaão da tradição espiritual, que representa a priori a vida profunda e a própria substância do Islamismo."

Na sequência das suas aprendizagens e formação, e ainda seguindo a cadeia de transmissão da mística desenvolvida por Ibn Masarra (um dos pioneiros da mística islâmica no al-Andalus), Ibn al-‘Arīf começou a ter muita popularidade, dedicando-se a ensinar algumas disciplinas corânicas e literárias em Almería, Valência e Saragoça. A sua fama deveu-se também ao ascetismo e vida devota que teve, tendo tido igualmente uma grande quantidade de seguidores e de discípulos que apoiavam a sua doutrina e que contribuíram para a evolução do Sufismo no al-Andalus. Exemplo dessa adesão foi Abū al-Ḥakam ibn Barraŷān de Sevilha (m.1142), considerado, por algumas fontes, mestre de Ibn al-‘Arīf , entre outros, tal como se pode verificar na variada correspondência entre ele e os seus discípulos ou apoiantes doutrinários.

A fama de Ibn al-‘Arīf cresceu imenso no al-Andalus, sendo uma figura de referência no Sufismo do al-Andalus. Por isso, aumentou o número de discípulos e Almería tornara-se o principal centro espiritual da época. Segundo nos diz M. Asín Palacios:

"La ville d’Alméria était alors le foyer principal du soufisme ésotérique d’al Andalus. Les doctrines mystiques de l’école masarrî s’étaient conservées religieusement, au cours des deux siècles écoulés depuis la mort du fondateur, en divers centres de l'Espagne méridionale, surtout à Cordoue et à Pechina, petit village près d'Almeria, sur la rive droite de la rivière de ce nom. […]. Au commencement du 6ºsiècle de l’hégire, en pleine domination des Almoravides, Alméria devient la métropole spirituelle de tous les soufis espagnols. C’est là que retentit le premier et unique cri de protestation collective contre l’excommunication et l’autodafé des livres d’al Ghazzâli que les foqahâ routiniers de Cordoue avaient anathématisés comme des oeuvres impies, dès qu’elles entrèrent en Espagne, pendant la vie de leur auteur, et qui furent livrées aux flammes par un décret officiel du sultan almoravide Yousouf ibn Tashafîn."

No entanto, como não existem dados concretos, não poderemos afirmar que tenha aí fundado uma escola ou tariqa de aprendizagem mística, pois, nesta época, o Sufismo ainda não tinha desenvolvido as diversas confrarias que surgiram depois a partir de meados do século XII e no século XIII. Como afirma Claude Addas:

"Era normal, e incluso corriente, en esa época, en el Occidente islámico, seguir simultáneamente la enseñanza espiritual de varios maestros sufíes. La ṣuḥba, el “gremio espiritual”, era todavía una práctica informal y no había adquirido el carácter de institución organizada y más o menos reglamentada que comienza a tomar a finales del siglo XII, y de manera más afirmada en el siglo XIII en Oriente, donde se asiste al emplazamiento de un sistema organizado —y por lo tanto más rígido— que iba a tomar pronto el nombre de ṭarīqa. […] El sufismo andalusí, donde la búsqueda de Dios sigue siendo todavía en gran medida una empresa puramente individual, libre y flexible."

Todavia, por volta de 1109, inicia-se uma perseguição contra alguns sufis do al-Andalus, com a queima das obras de Abū Ḥāmid al-Ghazālī (m. 1111). Marraquech tornara-se uma cidade de repressão anti-almorávida e é neste contexto que surgem alguns movimentos, de entre os quais o movimento muridínico levado a cabo por Ibn Qasī (m.1151), nascido em Silves, no Algarve contra os almorávidas. Nesta época, os místicos mais afamados eram precisamente Ibn Barraŷān de Sevilha, conhecido como Al-Gazālī de al-Andalus, Ibn al-‘Arīf de Almería, considerado o representante máximo do Sufismo no al-Andalus, e Ibn Qasī de Silves.

Ibn al-‘Arīf destacou-se através das obras Mahāsin al-majālis (Esplendores dos Ensinamentos Sufis), onde refere as diferentes etapas do caminho espiritual e Miftāḥal-sa’āda wataḥqīq ṭarīq al-sa’āda (A Chave da Felicidde e a Realização do Caminho Espiritual do Êxtase), onde o autor apresenta algumas orações, textos de exegese corânica e ciência religiosa, teologia e etapas do caminho espiritual, entre outros temas.

Para além disso, as obras acima referidas desenvolvem dois dos aspectos relevantes do misticismo islâmico que apenas os santos podem ter: os carismas e os prodígios. Estes poderes transcendentes surgiram também na sequência dos milagres atribuídos a Maomé. Além disso, nos primeiros tempos, o Sufismo ainda estava muito ligado ao ascetismo, por isso, surgiu uma quantidade de histórias que relatavam acções extraodinárias realizadas por homens de santidade que se tinha dedicado ao ascetismo. Posteriormente, no século XII, devido à importância dos milagres, Farīd ud-Dīn Attār escreveu Tazkirat al-awliyā (Biografias de Santos), onde apresenta um ideal espiritual ligado ao percurso de vários homens (e de algumas mulheres, embora estas em número bastante mais reduzido) considerados santos durante os primeiros tempos do Islão. Nesta obra, para além dos diversos aspectos biográficos de cada santo, destacam-se os seus feitos edificantes e milagrosos. Estes poderes foram atribuídos a muitos sufis, cujos poderes taumaturgos contribuíram para a fama que tiveram em vida, ou mesmo após a morte. Citando Annemarie Schimmel:

"The saints are supposed to know each other. Though they are veiled from the eyes of the common people, they recognize fellow saints without ever having met them, and many stories are told about secret meetings of saints on certain mountains in which, sometimes, an adept is allowed to partake. But on the whole it is held that God veils His friends from the world."

Estes poderes representados pelos carismas e prodígios eram vistos como epifanias ou, por outras palavras ligadas ao esoterismo, como processos alquímicos. Como refere H. Corbin:

"Sache que la forme épiphanique de la prophétie c’est l’existence des faits thaumaturgiques qui rompent le cours des choses, des signes étonnants (ayat) des bienfaits ésotériques et exotériques. De même dans la forme épiphanique de l’Ars Divina (al-sina’a al-ilahiyya) : l’alchimie, il se produit des signes, des faits qui rompent le cours des choses et des bienfaits insurpassables par celui d’entre l’élite de ses serviteurs que Dieu a choisi pour manifester ces choses. Le bénéfice que celui-là en retire, avec la permission de Dieu, est surabondant aussi bien dans l’ordre personnel que dans l’ordre général."

É neste sentido que surge uma certa magia no Islão associada ao Sufismo, sendo o santo um conhecedor perfeito da sabedoria divina. Ibn ‘Arabī, na sequência de Ibn al-‘Arīf,  fala desse prodígio dos santos em poderem exercer a função de cura, karāmāt, havendo um mundo imaginal (segundo a expressão utilizada por Henri Corbin). Este será um mundo superior e o santo, que acedia a este mundo imaginal, podia exercer a cura sobre uma pessoa doente e mesmo prever o futuro, tudo isto, através do seu conhecimento sobre esse mundo imaginal. Além disso, esses poderes sobrenaturais contribuíam para a fama do místico na comunidade e junto dos seus discípulos, fazendo dele um verdadeiro wali, ou seja, homem santo. Segundo Annemarie Schimmel:

"One factor that led people to believe in the spiritual capacity of a Sufi leader was his ability to work miracles. Numerous stories of saints say that "he was heard when he prayed," or "such as he said would definitely come true," or "when he became angry God Almighty would quickly take revenge for his sake" (N 506). There is no doubt that many Sufis indeed had extraordinary powers to perform acts that seemed to supersede natural laws."

Para além disso, alguns mestres sufis redigiram também vários talismãs e, no seguimento destas ideias, desenvolveu-se aquilo a que se chama o marabutismo, ou seja, conjunto de práticas religiosas desenvolvidas por um morábito ou santo, pessoa piedosa com um certo poder e com grande influência no destino dos homens. Segundo  Pierre Lory:

"Dentro del Islam, este tipo de prácticas curativas se englobó en la ya mencionada “Medicina del Profeta”, cuya base era la creencia de que lo sobrenatural supera a lo real y que el bien proviene de Dios o de personas santas y el mal de genios o demonios de diversas procedencias y diversas clases, según fuera la dolencia que provocaban. Entre las personas santas que podían aplicar la curación figuraban el propio Profeta y, junto a él, como elemento humano destacado, los llamados marabut, hombres consagrados a la vida ascética, que poseían la baraka, ese influjo bienhechor colmado de bienes divinos. A estos personajes se les conocía por la prudencia y sabiduría de sus consejos, por la santidad de su vida y sus costumbres y, sobre todo, por que en ellos se revelaban ciertos signos exteriores, con manifestaciones en forma de ataques epilépticos y diversos modos de locura que les hacían objeto de burlas en ocasiones, pero que eran indicativos de que estaban dominados por un influjo sobrenatural, procedente de Dios.

Vivían con extrema pobreza, sin poseer nada, deambulando por pueblos y ciudades, entregados a la oración y dependiendo de la caridad. La gente les consultaba sus problemas y ellos les aconsejaban. Si en el curso de sus estancias y sus consultas se producía la mejoría o la curación de una enfermedad se les atribuía el poder, como si hubiesen realizado un milagro. Así iba creciendo su reputación. Cuando un marabut moría, la baraka se trasmitía a sus herederos, especialmente a quien él había designado en vida como su sucesor."

O marabutismo estendeu-se por todo o Mediterrâneo, com maior incidência no Magrebe, mas tendo existido também no al-Andalus. Surgem os morabut ou morábitos, onde vivia (ou estava sepultado) o asceta que, para além da sua espiritualidade, exercia uma actividade milagrosa e mágica através de diversos ritos de cura que podemos denominar como ritos mágico-religiosos. No Sufismo, a partir do século XII, a criação de confrarias veio intensificar estes aspectos. Voltando a citar Pierre Lory:

"La síntesis más homogénea de estas concepciones mágicas y las corrientes sufíes es el fenómeno que se ha dado en llamar “marabutismo”, observado sobre todo en el norte de África y Sudán. El maestro sufí, que guía a sus discípulos por la vía mística de unión con Dios proponiéndole ritos, plegarias o practicas ascéticas, es un fabricante de talismanes, un curandero, un adivino, y al mismo tiempo un árbitro, un jefe de comunidad, a veces un representante político, al que van a consultar y prometen lealtad no sólo sus discípulos, sino también regiones o grupos sociales enteros... Esta integración de lo mágico en lo religioso, lo místico y lo social no es exclusiva del África musulmana."

Neste sentido, o Islão apresenta dos tipos de milagres: aquilo a que se denomina de karāmāt e que consiste nos feitos prodigiosos dos santos sufis, cujos carismas abrangem diversos actos como curas, fazer chover, elevar nos ares, estar geograficamente em dois locais diferentes ao mesmo tempo, etc.; o outro tipo de milagres é atribuído aos Profetas na sua missão como enviados de Deus, tais como Moisés, Jesus, Maomé, entre outros. Um dos antropólogos que estudou o poder dos sufis e a sua baraka, mostra que o carisma é visto como o poder do wali (homem santo) sobre os seus seguidores:

"… certain quality of an individual personality by virtue of which he is set apart from ordinary men and treated as endowed with supernatural, super-human, or at least specifically exceptional power or qualities...regarded as of divine origin or as exemplary, and on the basis of them the individual is treated as a leader."

Mas, no Islão, o principal milagre foi o da Revelação Corânica. Relativamente a todos os milagres e prodígios, eles são manifestações da graça divina desenvolvida por alguns eleitos. Mas, na essência, estes são apenas mediadores, pois Deus é o único que tem esse poder, tudo o que acontece através do santo ou do profeta foi realizado com a permissão divina. Porém, desde o início do Sufismo que os carismas e prodígios faziam parte da vivência dos místicos. Sobre os carismas, S. Akbar Ahmed afirma que «Charisma remains largely a function of success; its qualities are both inherent in the person and in the social situation. The charismatic leader is convinced of his ‘mission’ or ‘destiny’ but he must convince those around him of his capacity for leadership».

No Sufismo, poderíamos, pois, enumerar diversos sufis (homens e mulheres) que tiveram fama de exercerem acções extraordiárias. Como breves exemplos, temos o caso de Rābi’a al-‘Adawiyya (m. 805), cujos actos extraordinários foram exercidos em vida e após a morte. Durante a vida, teve  capacidade de se elevar nos ares sobre o seu tapete de oração, teve sonhos e outras acções que foram consequência da sua profunda entrega a Deus e ao Amor divino. Como é relatado nos seus ditos: «Después de decir esto, desplegó su alfombre de oración, la extendió delante de ella, subió encima, se elevó en al aire y le invitó a su vez […]». Após a morte, Rābi’a al-‘Adawiyya foi ouvida por Muhammad ibn Aslam al-Tūsī e Numi al-Tartūsī, quando estes visitaram o seu túmulo e lhe colocaram uma questão. Então, do seu túmulo ouviu-se a sua vos dizendo: «... y una voz les contestó: _ Qué hermoso lo que sucedió! Hice lo que debía hacer y encontré el camino recto. Sólo Dios es sabio!» Citando mais um exemplo, no século XII, destaca-se um grande santo, místico e taumaturgo do Sufismo, Sidi Abdelkader Djilani que viveu em Bagdad entre 1077-1166. Segundo as fontes, exerceu várias curas, como por exemplo, a cura de uma criança com parelesia.

Seguindo essa tradição oriunda desde o início da mística islâmica, Ibn al-’Arīf, na sua obra Miftāḥal-sa’āda wataḥqīq ṭarīq al-sa’āda (A Chave da Felicidde e a Realização do Caminho Espiritual do Êxtase), apresenta as características que um verdadeiro asceta e místico deve ter, nomeadamente o carácter milagroso ou carismas (karāmāt). Numa das suas cartas, dirigida ao discípulo ‘Atīq ibn Mu’min (m.1153), Ibn al-’Arīf demonstra contentamento devido aos carismas deste sufi. Porém, revela-se cauteloso, pois o místico pode ficar rendido à ilusão do seu próprio poder, esquecendo-se de Deus como principal agente desses carismas. Como ele próprio refere na obra acima citada:

"Por Dios si viera a un íntimo de Dios que camina sobre el agua,  vuela en el aire o da la fuerza a todas las cosas, hasta que alcance el auge del cielo, y me doy cuenta de que él está ocupado en algún plan de esta vida, se apega a una ilusión o se forma algún concepto equivocado en su mente, no me fiaría de su estado y diera fe que su verdad está mezclada con distracciones."

Na obra Mahāsin al-majālis (Esplendores dos Ensinamentos Sufis), Ibn al-’Arīf menciona que faz uma reflexão sobre os carismas e prodígios, desencadeados sobre aqueles a que chama de “servidores de Deus” e que passaram a sua vida dedicados a Deus e vivendo a vida sempre nessa via. Graças à sua dedicação, apenas estes eleitos servidores são agraciados com todas as bençãos divinas e capazes de exercerem acções extraordinárias: «... les gens, en le servant, trouvent le chemin vers Dieu, et il satisfait les besoins des gens grâce à sa prévenance et à sa bénédiction». Segundo esta mesma obra, o autor apresenta dois tipos de carismas, os que se desenvolvem em vida e os que se revelam após a morte, num total de quarenta. Apesar de os milagres após a morte terem também um carácter especial para o culto do santo (serenidade no momento da morte; a constância na presença de Deus e na fé; a paz e o repouso; a vida  eterna no Paraíso; as honras e as felicitações; a veneração dos homens durante as obséquias; ser dispensado do interrogatório final; a iluminação do seu túmulo; a ressurreição na glória e na honra; a segurança no dia do Julgamento Final; ser levado pelo Profeta à morada celeste; o reino eterno e o reencontro com Deus), destacamos os carismas em vida, nomeadamente os números 15, 16 e 17. Sobre os carismas e prodígios em vida, Ibn al-’Arīf refere o seguinte:

"Dieu parle en permanence de Son serviteur en termes élogieux. Il est vraiment honoré, le serviteur dont le Seigneur des mondes se souvient et qu’Il loue !

Dieu le remercie et l’élève. Si tu devais être loué et vénéré par une faible créature, tu te sentirais honoré. Alors que dire quand c’est le Seigneur des mondes qui te loue ?!

Dieu aime Son serviteur. Si tu étais aimé par le chef d’un campement ou le prince d’une cité, tu serais fier d’un tel amour et tu t’en servirais. Que dire alors de l’amour du Seigneur des mondes ?!

Dieu prend en charge les affaires de Son serviteur, et s’occupe de tous ses intérêts.

Dieu devient son Bienfaiteur, et Il le guide d’une situation à une autre, sans effort et sans dommage pour le serviteur.

Dieu devient son Protecteur, capable de détourner toute tentation mauvaise.

Dieu devient son ami intime, l’empêchant de se sentir seul ou abandonné. Ainsi le serviteur perd toute crainte de se transformer, de devenir autre.

La richesse d’âme qui le rend indépendant du monde et de ses habitants. Le serviteur de Dieu n’entre pas au service des monarques et des tyrans du monde.

Les aspirations du serviteur sont élevées à un niveau tel qu’il ne peut être souillé par les impuretés du monde et de ses habitants. Il ne prête aucune attention aux décors et aux passe-temps mondains, exactement comme un homme intelligent est au-dessus des jeux avec les femmes et les enfants.

La richesse du coeur: il devient plus riche que les plus riches des hommes sur terre, toujours de bonne humeur et patient – pas effrayé par la pauvreté et indifférent aux privations.

La lumière du cœur : il atteint, par l’illumination de son cœur, les sciences, les secrets et la sagesse, dont certains ne sont accessibles qu’au prix d’une longue vie d’efforts intenses.

Il devient patient : il n’est jamais écrasé par les malheurs et les catastrophes de ce monde, ni par les combines et les soupçons des gens.   

Au saint serviteur sont accordés la dignité et le respect des gens. Il est tenu en haute estime à la fois par les pervers et les vertueux, et il est craint par le despote et l’oppresseur.                  
Il est aimé : tous les cœurs sont attirés par lui, et toutes les âmes sont portées à le respecter, à lui rendre hommage.

La grâce divine est associée à tout ce qu’il fait. Un mot, un souffle, un acte, un ornement ou endroit – tout ce  qu’il touche est béni par ce contact. C’est le cas d’un endroit qu’il habite brièvement, ou d’un être humain qu’il accompagne ne serait-ce qu’un instant. Par exemple, le peuple de Bagdad sait que la terre de la tombe de Ma’rûf al-Karkhî est un remède prouvé grâce auquel Dieu guérit toute maladie. 

L’affranchissement total en ce qui concerne la terre et la mer : s’il veut, il peut marcher dans les aires et sur l’eau, et traverser ainsi la terre entière de façon extrêmement rapide. 

La soumission des animaux, des fauves et des bêtes sauvages : les fauves du d´sert se soumettent à lui, et les lions remuent la queue quand ils le voient. 

La possession des clés des trésors de la terre : où qu’il pose ses mains, il y a un trésor, s'il le désire. Ou  que sa botte frappe, il y a une source d'eau, s'il en a besoin. Où qu’il demeure, il lui est apporté une table de nourriture, s’il a l’intention de manger. 

La direction et la réputation aux yeux de Dieu : les gens, en le servant, trouvent le chemin vers Dieu et il satisfait les besoins des gens grâce à sa prévenance et à ses bénédictions.

Dieu répond à ses prières. Tout ce qu’il demande à Dieu lui est accordé. Chaque fois qu’il intercède en faveur de quelqu’un, son intercession est acceptée par Dieu. S’il invoque Dieu, il y a rémission des péchés et des dettes. 

Pour certains saints, il suffit de pointer du doigt une montagne pour qu’elle disparaisse. Un homme capable de cela n’a même pas besoin de parler avec sa langue. Si une chose lui vient à l’esprit, elle devient évidente simplement, sans qu’il y ait besoin du moindre geste de sa part. telles sont les caractéristiques miraculeuses des saints élus de Dieu sur terre."

Em conclusão, com estas observações e carismas apresentados, Ibn al-’Arīf revela que os diversos dons que os ascetas e sufis podem excercer durante a  vida, ou mesmo após a morte, torna-os seres eleitos e de excepcão. Por outro lado, estas acções praticadas pelos místicos mostram que eles tiveram um papel importante na difusão da mística islâmica, sobretudo no imaginário colectivo, relativamente a um Sufismo (e diríamos mesmo a um Islão) mais popular. Graças aos seus poderes, o wali (homem ou mulher) tinha o poder de curar diversas doenças, podia conseguir, miraculosamente, alimentos para oferecer, conseguia chuva onde havia seca, falava com os animais e dominava os mais selvagens, deslocava-se nos ares, sobre o fogo e sobre as águas ... tudo isso consequências da sua vivência exemplar, mas, essencialmente, consequências da vontade e do poder divinos considerados verdadeiras manifestações de Deus na terra, através dos seus eleitos.

Posteriormente, alguns seguidores e comentadores da sua doutrina, de entre eles Ibn ‘Arabī, realçam este poder que apenas os homens e as mulheres de Deus podem ter. Assim, cometando a obra Maḥāsin al-maŷālis relativamente aos carismas, Ibn ‘Arabī também refere a importância dos carismas como uma ruptura, algo que distingue o místico:

"El estado espiritual posibilita la alteración del curso natural de los fenómenos (jarq al-‘awā’id) como dijo el autor de Maḥāsin al-maŷālis, al mencionar que los estados son propios de los iniciados: «Los estados pertenecen a los dotados de carismas», quiere decir con al-karāmāt, la ruptura de la causalidad habitual, pues los carismas conforme al lenguaje [místico] no son más que la ruptura de los fenómenos naturales, asociado con la rectitud o produce la rectitud inmediatamente. Es algo imprescindible para ellos. El motivo de esta delimitación es que dicha ruptura, a veces, no se considera un carisma de Dios para el siervo."

Mas, como nem todos concordavam com a doutrina de Ibn al-‘Arīf (e dos seus seguidores), ele acabou por ser denunciado e levado, juntamente com Ibn Barraŷān, a Marraquech, onde ambos morreram, embora as diversas fontes não apresentem dados concretos sobre as causas dessas mortes. Curiosamente, o epitáfio da inscrição funerária do autor apresenta a importância espiritual de Ibn al-’Arīf, a sua relação com os seus mestres e  discípulos, realçando ainda que fora dotado de muitos carismas (karāmāt), por isso, terminamos com o seu epitáfio:

"Basmala, taṣliya - esta es la tumba en donde ya la fama se difunde en el oriente y el occidente, donde las bendiciones (barakāt) son inmensas y bienaventurado es el visitante, donde las gracias (barakāt) y virtudes (manāqib) no cesan de repetirse y donde se enorgullece, entre las ciudades marroquíes, esta ciudad roja de Marraqaš.

Y cómo puede ser otra cosa cuando es la tumba del maestro (šayj), del imán (imām), del gran maestro del islam, el educador espiritual (murabbī) de los iniciados conocido por su alta sabiduría (ḥikma) y quien fecundó el espíritu de aquellos que vienen a escuchar las perlas de sus parábolas, el maestro de la escuela (ṭariqa), el océano de la Ley revelada (al-šarī‘a) y la Realidad Divina (al-ḥaqīqa) dotado de numerosos y milagrosos carismas (karāmāt), autor de libros exhaustivos y útiles, el más destacado de los maestros raíces (quṭb al-aqṭāb), el intérprete (mutarŷim) de la ciencia de la comunidad sufí (al-qawm) con claridad, nuestro señor (sayyid), nuestra bendición y nuestro intercesor (wasīla) junto a nuestro Maestro. Es harto conocido por sus virtudes, por las cuales corrió su fama, nuestro señor y maestro Abū al-‘Abbās Aḥmad ibn Muḥammad ibn Mūsā ibn ‘Aṭā’Allāh, conocido como Ibn al-‘Arīf al-Ṣanhāŷī al-Ṭanŷī de Almería. Tomó [la enseñanza] (ajaḏa) del šayj Abū Bakr ibn ‘Abd al-Bāqī ibn Muḥammad ibn Burriyāl al-Anṣārī, discípulo de Abū Muḥammad Aḥmad ibn Muḥammad al-Ma‘āfirī, discípulo de Abū ‘Umar Aḥmad ibn ‘Abd Allāh, discípulo de Abū Sa‘īd Aḥmad ibn al- A‘rābī, discípulo del šayj del orden nuestro señor Abū al-Qāsim al-Ŷunayd, discípulo de Sirrī al-Saqaṭī, discípulo de Ma‘rūf al-Karjī, discípulo de Dawūd al-Ṭā’ī, discípulo de Ḥabīb al-‘Aŷmī, discípulo de al-Ḥasan al-Baṣrī, discípulo del Príncipe de los Creyentes, nuestro maestro ‘Alī ibn Abū Ṭālib, discípulo del Sello de los Profetas (jatim al-nabyīn), nuestro maestro e intercesor (šafī‘) Abū al-Qāsīm, nuestro maestro Muḥammad ibn ‘Abd Allāh –taṣliya– del príncipe de la revelación (amīr al-waḥ ī), el señor de los ángeles (amīr al-malā’ika), nuestro señor Ŷabrīl – taṣliya– de la tabla guardada (al-lawḥ al-maḥfūẓ), del cálamo, que se recibió del Señor del Todopoderoso — que Su majestad sea exaltada."

REFERÊNCIAS

‘ADAWIYYA, Rābi’a al-, Dichos y Canciones de una Mística (siglo VIII), in Maria Tabuyo Ortega (ed. y trad.), col. «Los Pequeños Libros de la Sabiduría», Barcelona, José J. de Olañeta, Editor, 2006.

ADDAS, C., Ibn ‘Arabī o La búsqueda del azufre rojo, trad. A. Carmona González, Murcia, Editorial Regional de Murcia, 1996.

AHMED, S. Akbar, Millennium and Charisma Among the Pathan, A Critical Essay in Social Anthropology, London, Routledge and Kegan Paul, 1976.

CORBIN, H., L’alchimie comme art hiératique, Paris, L’Herne, 1986.

DEVERDUN, G., Inscriptions arabes de Marrakech, Rabat, Éditions Techniques Nord-Africaines, 1956.

IBN ‘ARABĪ, al-Futuḥāt al-makkiyya, IV, Beirut, Dār Ṣādir, 2002 (trad. esp. parcial Las Iluminaciones de La Meca, trad. V. Pallejà de Bustinza. Madrid, Siruela, 1996.

______________, Mawāqi‘ al-nuŷūm, El Cairo, Maṭba‘at Muḥammad ‘Alī Ṣubayḥ wa Awlādihi, 1965; outra ed. S. ‘Abd al-Fattāḥ, Beirut, Dār al-Kutub al-‘Ilmiyya, 2007.

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